1 - Defina cirrose hepática e explique como ela ocorre.
A cirrose consiste em uma lesão progressiva e difusa do fígado com alteração de toda estrutura do parênquima hepático e formação de nódulos devido ao aumento progressivo de fibrose. Essas alterações ocorrem devido à agressão e estímulo a células estelares, inicialmente numa fase de hepatite crônica, associada ao depósito de matriz de colágeno, que gera fibrose com alteração arquitetural progressiva parênquima hepático.
2 - Indique as principais causas de cirroses atualmente.
ÁLCOOL;
VÍRUS: VHC/VHB;
ESTEATO-HEPATITE NÃO ALCOÓLICA;
AUTOIMUNES (HEPATITE AUTOIMUNE, COLANGITE BILIAR PRIMÁRIA E COLANGITE ESCLEROSANTE PRIMÁRIA);
HEMOCROMATOSE;
DOENÇA DE WILSON;
DROGAS;
CRIPTOGÊNICA.
3 - Comente a respeito da História natural da Cirrose
O indivíduo evolui com quadro de hepatite crônica cerca de 10 a 30 anos, variando de acordo com a etiologia e intensidade da resposta inflamatória individual. A progressão lenta e assintomática ou oligossintomática. Na fase inicial de fibrose avançada com formação de nódulos tem-se a cirrose hepática compensada, que apresenta parênquima suficiente para manter função hepática e ainda é silenciosa. Essa cirrose tende a progredir e descompensar a partir do desenvolvimento de complicações associadas à hipertensão portal, clinicamente significativa, e à insuficiência hepática, além do maior risco de surgimento do carcinoma hepatocelular.
4 - Em relação à hepatite C, como é a história natural da doença?
Hepatite C: A infecção pode evoluir como hepatite crônica assintomática, que dura cerca de 20 a 25 anos até o aparecimento de cirrose, com mortalidade associada à insuficiência hepática e carcinoma hepatocelular em aproximadamente 25 a 30 anos após o início a doença. Deve-se lembrar que nem todo indivíduo apresenta evolução igual. Alguns indivíduos não apresentam progressão significativa da fibrose e outros eliminam o vírus espontaneamente com cura após a infecção.
5 - Já em relação à DHGNA, como é a história natural da doença?
A doença se inicia com uma esteatose hepática (gordura no fígado), habitualmente por volta da segunda a terceira década de vida. Pode evoluir para uma fase inflamatória (esteato-hepatite não alcoólica), cursando com agressão hepatocelular e depósito progressivo de matriz fibrosa até atingir a fase de cirrose (conforme a história natural da cirrose em geral). Esse processo demora cerca de 30 anos para se completar. Os indivíduos com esteato-hepatite têm aumento do risco de carcinoma hepatocelular mesmo em fases não cirróticas.
6 - Como é a história natural da enfermidade proveniente de doença hepática alcoólica?
A doença hepática alcoólica não evolui de forma regular. Além da resposta individual, a intensidade da agressão pela ingestão alcoólica é variável. Habitualmente, o quadro se apresenta com episódios de agudização de hepatite alcoólica sobreposta à hepatopatia crônica (fase de hepatite crônica ou cirrose). Portanto, não há um padrão linear de evolução da doença e sim sobressaltos periódicos.
7 - Quais são os sinais e sintomas típicos apresentados pelo paciente cirrótico?
Assintomático / Oligossintomático:
Astenia;
Emagrecimento;
Hepatoesplenomegalia;
Estigmas periféricos (eritema palmar, aranhas vasculares, ginecomastia, diminuição de pilificação sexual secundária, circulação colateral);
Insuficiência hepática/ Hipertensão portal:
Icterícia;
Distúrbios de coagulação;
Alterações endócrinas;
Desnutrição;
Edema;
Ascite;
Hemorragia digestiva.
OBS.: O longo tempo de fase assintomática retarda o diagnóstico e o tratamento. Indivíduos que já se apresentam em fase de insuficiência, dificilmente vão apresentar reversão do quadro.
8 - Como é o diagnóstico laboratorial da cirrose?
É feito através de marcadores inflamatórios e marcadores de função hepática. Lembrando que o mais importante é a avaliação de função do fígado, que é capaz de demonstrar alterações hepáticas mesmo em indivíduos assintomáticos.
Além disso, os marcadores de inflamação avaliam tanto os aspectos inflamatórios dos canalículos biliares quanto dos hepatócitos, o que auxilia no diagnóstico diferencial da doença.
Podemos contar com exames laboratoriais específicos, conforme a suspeita da etiologia da cirrose, através da anamnese e exame físico. Dentre esses exames, destacam-se aqueles voltados para investigação de hepatites virais (Anti-HCV, Anti-HBc e HBsAg), marcadores de síndrome metabólica (glicemia, insulina, colesterol, triglicérides, entre outros). Em casos de ausência desses marcadores, deve-se afastar doenças autoimunes, hemocromatose, doença de Wilson e deficiência de alfa-1 antitripsina, conforme algoritmo discutido em aula específica.
9 - Como é feito o estadiamento da cirrose?
O padrão ouro é a biopsia. Porém, por ser invasivo, apresenta maiores riscos, especialmente de sangramento. Com o surgimento de métodos não invasivos, a biópsia fica mais reservada para casos de estadiamento duvidoso ou para investigação etiológica nos casos em que a avaliação laboratorial não definiu a doença.
Os testes não invasivos mais utilizados para estadiamento de fibrose levam em conta parâmetros clínicos, laboratoriais e de imagem:
APRI: AST/Plaquetas;
FIB4: Idade, AST, ALT e Plaquetas;
NFS (específico para esteato-hepatite): idade e IMC, glicose, ALT e albumina;
Elastografia (Elastografia transitória - Fibroscan®, USG e RM).
10 - Como se deve proceder após o diagnóstico de cirrose hepática?
Após o diagnóstico, além da avaliação funcional já mencionada, deve-se rastrear possíveis complicações:
LABORATÓRIO: Hemograma (Citopenia associada a hiperfunção esplênica) e Creatinina (síndrome hepatorrenal);
IMAGEM: USG (indícios de cronicidade); rastreio de hipertensão portal e de CHC;
TC E RM: confirmação CHC;
ENDOSCOPIA: Hipertensão portal (varizes).
11 - Como se avalia o prognóstico do indivíduo com cirrose?
Através dos escores de prognóstico de doença hepática (MELD e CHILD-PUGH).
CRITÉRIOS AVALIADOS PELO MELD (MODEL FOR END-STAGE LIVER DISEASE):
RNI;
BILIRRUBINA;
CREATININA.
CRITÉRIOS AVALIADOS PELO CHILD-TURCOTTE-PUGH
ALBUMINA;
BILIRRUBINA;
PROTROMBINA;
ASCITE;
ENCEFALOPATIA;
OBS.: MELD à Classifica fila de transplante hepático, devido à análise quantitativa de gravidade em curto prazo:
12 - Como deve ser a conduta do paciente durante a fase compensada?
Durante a fase compensada deve-se preocupar com o tratamento etiológico, o rastreamento de complicações e a dieta com adequado aporte proteico-calórico. Como é um paciente que, habitualmente, perde massa muscular, deve-se priorizar a nutrição e atividade física com adequação individualizada. Essa conduta auxilia na estabilidade da doença e lentifica a progressão para fases descompensadas.
13 - Quais são as complicações mais frequentes da cirrose hepática?
Ascite;
Encefalopatia;
HDA;
Carcinoma hepatocelular;
Síndrome hepatopulmonar ;
Síndrome hepatorrenal.
14 - Explique a fisiopatologia da ascite na cirrose hepática?
Ascite ocorre por uma vasodilatação esplâncnica devido à produção de citocinas e menor degradação de óxido nítrico produzido pelo endotélio. Devido a essa vasodilatação esplâncnica, há uma diminuição do volume efetivo de corrente, com menor perfusão renal e ativação do sistema renina angiotensina-aldosterona, aumentando a retenção de sódio e água. A retenção de sódio e água produz edema principalmente intra-abdominal gerando a ascite.
15 - Classifique a ascite conforme os graus de intensidade.
•Grau I: Leve – detectada ao USG;
•Grau II: Moderada – distensão simétrica do abdome;
•Grau III: Volumosa – distensão importante (tensa).
16 - Comente a respeito do que deve ser avaliado antes de se fazer a punção da ascite e o que deve ser avaliado laboratorialmente no líquido ascítico.
No caso de ascite por hipertensão portal, são observadas as seguintes características:
•Proteína total baixa (transudato);
•Gradiente de albumina soro–ascite (GASA) ≥ 1,1
17 - Como deve ser o tratamento da ascite?
A primeira abordagem envolve a restrição da ingestão de sal (varia de 1 - 2 g/dia). A terapia farmacológica de primeira linha é espironolactona com doses variando entre 100 e 400 mg ao dia e em caso de ascites volumosas ou ausência de resposta na monoterapia, deve-se associar a furosemida com doses entre 40 e 160 mg ao dia.
A meta do tratamento envolve a perda de peso conforme o esquema:
•SEM EDEMA PERIFÉRICO: REDUÇÃO DE ATÉ 500 G/DIA;
•COM EDEMA PERIFÉRICO: REDUÇÃO DE ATÉ 1 KG/DIA.
18 - Explique o que é ascite refratária e como deve ser a conduta do médico nesses casos.
É a ascite sem resposta ao tratamento farmacológico. Pode ser diurético resistente, em que apesar da dose máxima não há resposta, ou intratável, em que os efeitos colaterais da diureticoterapia impedem seu uso.
Conduta:
PARACENTESE (EXPANSÃO VOLÊMICA: ALBUMINA 20% 8G/L EM CASO DE PARACENTESE ACIMA DE 5 L);
TIPS;
TRANSPLANTE HEPÁTICO.
19 - Quais são as indicações para profilaxia primária de PBE?
•PACIENTE INTERNADO: PT (proteína total) < 1;
•PACIENTE AMBULATORIAL: PT < 1,5 +;
•CHILD > 9 + BT > 4 MG/DL OU
•CR ≥ 1,2; UR ≥ 25 MG/DL; NA≤ 130.
OBS: Profilaxia Secundária: PBE prévia.
OBS 2: Profilaxia com NORFLOXACINO 400 mg/dia, enquanto o paciente apresenta descompensação com ascite.
20 - Como é a classificação de encefalopatia da cirrose hepática e como é o tratamento da mesma?
CLASSIFICAÇÃO:
•MÍNIMA: GRAU I (COVERT);
•GRAU II – IV (OVERT).
TRATAMENTO:
•REMOVER DESENCADEADORES;
•CUIDADOS COM NÍVEL DE CONSCIÊNCIA;
•LACTULOSE / ANTIBIÓTICOS.
21 - Quais são as indicações da profilaxia da hemorragia digestiva alta e como é feito essa profilaxia?
Indicações:
Varizes de fino calibre se apresentam red spots ou Child C;
Varizes de médio e grosso calibre.
Profilaxia:
Tratamento de varizes de fino calibre é baseado no uso de betabloqueadores não seletivos;
Tratamento de varizes de grosso e médio calibre se faz com endoscopia (ligadura elástica) das varizes de esôfago associada ao uso de betabloqueador;
Uso de betabloqueador pode apresentar efeitos colaterais, como piora da hipotensão e piora da encefalopatia (fator limitante do tratamento).
22 - Explique a fisiologia da síndrome hepatorrenal
Como há uma diminuição do volume efetivo corrente, já discutido anteriormente, na gênese da ascite, a perfusão dos rins encontra-se diminuída, ou seja, há insuficiência renal funcional, visto que o parênquima hepático não tem lesão. Ocorre nas fases mais avançadas de cirrose.
A síndrome hepatorrenal é dividida em dois tipos:
SHR Tipo 1: ocorre após um fator precipitante e também é progressiva, porém de forma acelerada e grave. Ocorre no contexto do paciente com insuficiência hepática terminal ou em agudização grave da doença hepática;
SHR Tipo 2: progressiva, acompanhando a lenta evolução da doença hepática.
23 - Indique o tratamento da síndrome hepatorrenal.
Tratamento:
•Retirar desencadeante;
•Expansão volêmica: albumina1g/kg/dia (até 100 g) por até 2 dias; Em caso de não resposta:
•Expansão + vasoconstritor; Albumina 20 - 40 g/dia; Terlipressina 0,5 - 2 mg a cada 4 - 6 horas (mais bem tolerado em infusão contínua) Ajuste pela resposta 48h (Cr < 25%); Até14 dias ou atingir resposta
*Opção à Terlipressina: noradrenalin
24 - Comente a respeito da fisiopatologia da síndrome hepatopulmonar.
A síndrome hepatopulmonar ocorre por vasodilatação da circulação pulmonar devido a estímulos vasodilatadores já discutidos. Isso faz com que haja a presença de shunts predominantemente em bases pulmonares, diminuindo a perfusão de capilares e, consequentemente, a oxigenação. À medida em que a doença progride o indivíduo apresenta dispneia, cianose e baqueteamento digital. Além disso, o paciente queixa-se de ortodeoxia, que seria uma dispneia quando ele está em posição ortostática, decorrente do aumento de fluxo sanguíneo nas bases do pulmão nessa postura, aumentando a circulação sanguínea via shunts.
25 - Explique porque o paciente cirrótico apresenta um maior número de infecções.
Em primeiro lugar o paciente cirrótico apresenta uma maior permeabilidade da mucosa intestinal além de disbiose. Ambos motivos facilitam a translocação bacteriana do intestino para o sangue.
Em segundo lugar o indivíduo apresenta os shunts portos sistêmicos, o que faz com que o sangue não passe pelo fígado, onde ocorre clareamento de bactérias, além de ter redução da atividade das células de Kupffer, contribuindo para redução da eliminação dessas bactérias.
Por último, o indivíduo cirrótico apresenta uma diminuição do complemento, das imunoglobulinas e da capacidade de opsonização, o que afeta a resposta imunológica de uma maneira geral.
OBS.: Em geral, são indivíduos oligo sintomáticos, muitas vezes apresentando agudização da cirrose hepática como única manifestação clínica da infecção.
26 - Discuta a respeito do diagnóstico de peritonite bacteriana.
Na clínica o paciente, em geral, apresenta-se oligosintomático ou assintomático devido à diminuição da resposta imune. A suspeita clínica acontece, habitualmente, pela descompensação da doença hepática.
O diagnóstico é feito pela análise laboratorial do líquido ascítico e leva em consideração a contagem de células polimorfonucleares (maior que 250/mm3) ou a cultura positiva. A cultura apresenta baixa sensibilidade e tem resultado tardio, sendo o tratamento instituído baseado na celularidade da ascite.
27 - Como deve ser feito o tratamento de PBE?
Tratamento:
• Cefalosporina 3ª geração (cefi triaxone 2g) por 5 a 7 dias; Expansão volêmica:
• Essencial se: BT > 4 mg/dl ou Cr > 1 mg/dl ou Ur > 30 mg/dl;
•Albumina EV 1,5g/kg 1º dia + 1g/kg 3º dia.
28 - Como deve ser feito e o controle de tratamento da PBE?
Controle:
•PARACENTESE 48 H: QUEDA > 25% PMN segue com terapia instituída; QUEDA < 25% PMN indica falha no tratamento.
•RESISTÊNCIA.
•PBS – PERITONITE BACTERIANA SECUNDÁRIA (2 DOS CRITÉRIOS) – diverticulite, apendicite, etc. PT > 1; LDH ASCITE > SÉRICO,
29 - Descreva o tratamento de hemorragia digestiva alta varicosa na emergência
Ajuste de acordo a disponibilidade do serviço
•ESTABILIZAÇÃO VENTILATÓRIA E HEMODINÂMICA; •ESPECÍFICO; •MEDICAMENTOSO; •VASOCONSTRIÇÃO ESPLÂNCNICA; •TERLIPRESSINA 0,5 - 2 MG CADA 4 - 6 HORAS (MAIS BEM TOLERADO EM INFUSÃO CONTÍNUA); •ANTIBIÓTICO; •CEFTRIAXONE; •ENDOSCOPIA – LEVE (LIGADURA ELÁSTICA DE VARIZES DE ESÔFAGO); •TIPS – Indicado em casos de sangramento ativo ou alto risco de ressangramento ou em falha da terapia combinada farmacológica e endoscópica.
30 - Como realizar a prevenção da cirrose hepática?
VACINA CONTRA VÍRUS HEPATITE B;
ORIENTAÇÃO DE SITUAÇÕES DE RISCO PARA HEPATITES B E C (SEXUAL / DROGAS);
TRATAMENTO ADEQUADO DA SÍNDROME METABÓLICA;
ALCOOLISMO (ORIENTAÇÕES);
RASTREIO EM FAMILIARES DE INDIVÍDUOS COM DOENÇAS GENÉTICAS DO FÍGADO.