Pessoas com doenças cutâneas inflamatórias e autoimunes, como dermatite atópica, lúpus eritematoso sistêmico (LES) e dermatite seborreica, têm maior risco de apresentar hipotireoidismo, de acordo com uma análise de randomização mendeliana conduzida com base em dados genéticos de indivíduos com ascendência europeia.
Metodologia
O estudo adotou um desenho de randomização mendeliana com duas amostras, utilizando dados genéticos de indivíduos com ascendência europeia. As fontes dos dados foram estudos de associação genômica ampla, que incluíram mais de 300 mil participantes com doenças inflamatórias e autoimunes da pele, e cerca de 300 mil indivíduos com disfunções tireoidianas.
Foram investigadas associações causais entre doenças cutâneas inflamatórias e autoimunes e o surgimento de disfunções tireoidianas, como hipotireoidismo e hipertireoidismo. As patologias inflamatórias avaliadas foram dermatite atópica, psoríase vulgar e urticária, enquanto as autoimunes abrangeram LES, penfigoide bolhoso, vitiligo e alopecia areata.
Os dados genéticos foram extraídos de grandes consórcios, como o EArly Genetics and Lifecourse Epidemiology (EAGLE), o FinnGen Biobank e o Medical Research Council Integrative Epidemiology Unit (MRC-IEU). Polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) associados a essas enfermidades foram utilizados como variáveis instrumentais.
A análise foi realizada utilizando o método de variância inversa ponderada, complementada por MR-Egger e MR-PRESSO para controle de pleiotropia. Análises multivariadas fizeram ajustes para o tabagismo como fator de confusão.
Os resultados foram expressos em razão de chances com intervalos de confiança de 95%, e a significância estatística foi ajustada utilizando a correção de Bonferroni.
Principais informações
Indivíduos com dermatite atópica, LES e dermatite seborreica apresentaram risco significativamente maior de ter hipotireoidismo. A dermatite atópica, em específico, foi associada a um aumento de 5,5% no risco de hipotireoidismo, enquanto o LES resultou em um aumento de 2,4%. Já o penfigoide bolhoso foi associado a redução do risco de hipotireoidismo.
Não foram encontradas associações significativas entre doenças cutâneas inflamatórias ou autoimunes e o risco de hipertireoidismo, sugerindo uma especificidade no surgimento do distúrbio.
Os resultados da randomização mendeliana indicam que fatores genéticos relacionados a essas doenças têm relação causal com o surgimento de hipotireoidismo, independentemente de fatores de confusão, como tabagismo.
A robustez dos achados foi confirmada por análises multivariadas, que mantiveram as associações mesmo após ajuste para tabagismo. Isso reforça a importância de monitoramento precoce e intervenções preventivas em pacientes com essas doenças.
Indivíduos com enfermidades cutâneas inflamatórias ou autoimunes devem ser considerados de risco para disfunção tireoidiana, com recomendações para acompanhamento clínico regular, principalmente quando há comorbidades autoimunes.
Na prática
Os resultados do estudo sugerem que médicos e profissionais de saúde devem monitorar regularmente a função tireoidiana de pacientes com doenças cutâneas inflamatórias e autoimunes, como dermatite atópica, LES e dermatite seborreica. A detecção precoce de disfunções tireoidianas pode ser crucial para o gerenciamento eficaz do hipotireoidismo e para prevenir complicações em longo prazo.
Além disso, o acompanhamento desses pacientes deve incluir uma avaliação cuidadosa de possíveis comorbidades autoimunes. Apesar das evidências de uma associação causal, são necessárias mais pesquisas para esclarecer os mecanismos patogênicos que conectam patologias cutâneas ao hipotireoidismo, o que pode contribuir para tratamentos mais direcionados.
Limitações
A generalização dos resultados pode ser limitada pelo fato de os indivíduos analisados terem ascendência europeia. Além disso, o uso de dados de diferentes estudos de associação genômica ampla pode ter introduzido heterogeneidade não controlada. Embora a randomização mendeliana minimize o viés de confusão, ainda existe a possibilidade de pleiotropia residual.
Outro ponto importante é que o estudo não investigou diretamente mecanismos biológicos subjacentes às doenças, destacando a necessidade de mais pesquisas experimentais para esclarecer as associações entre as patologias cutâneas e distúrbios tireoidianos.
Fonte
O estudo teve como primeiro autor Ruixuan You, vinculado ao Departamento de Dermatologia do Segundo Hospital Xiangya da Universidade do Centro-Sul, na China, e foi publicado on-line em 2 de setembro de 2024 no periódico Frontiers in Endocrinology.
Conflitos de interesses
Os autores declararam não ter conflitos de interesses relevantes. O trabalho foi financiado pela Fundação Nacional de Ciências Naturais da China, que não interferiu no desenho, na condução, na análise nem na publicação do estudo. Não houve participação de empresas farmacêuticas ou de outras organizações na pesquisa.
