Esclerose Sistêmica: doença inflamatória crônica idiopática do tecido conjuntivo
- claurepires
- 19 de mar.
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Introdução
A Esclerose Sistêmica (ES), também conhecida como esclerodermia, é uma doença inflamatória crônica idiopática do tecido conjuntivo, que pode acometer diversos órgãos, com destaque para a pele, pulmão, coração, rins e trato gastrointestinal. Caracteriza-se por graus variáveis de fibrose tecidual e envolvimento endotelial dos vasos, principalmente de pequenos e médios calibres, evoluindo para endarterite proliferativa isquêmica. Este capítulo visa fornecer uma visão abrangente e atualizada da Esclerose Sistêmica, com base nas diretrizes e protocolos médicos mais recentes.
Conceito e Etiopatogenia
A ES é uma doença inflamatória crônica idiopática do tecido conjuntivo, caracterizada por fibrose tecidual e envolvimento vascular, principalmente de pequenos e médios vasos, que evolui para endarterite proliferativa isquêmica. A patogênese envolve a ativação imunológica, dano vascular e síntese excessiva de matriz extracelular (MEC) com deposição de colágeno. Eventos fisiopatogênicos precoces, como lesão endotelial e desequilíbrio no reparo vascular, ativam células endoteliais, do sistema imune e plaquetas, liberando mediadores inflamatórios como citocinas pró-inflamatórias Th2 e fatores de crescimento, levando à hiperativação dos fibroblastos.
Mecanismos Patogênicos
Os mecanismos patogênicos da ES envolvem:
- Vascular: Desequilíbrio entre a endotelina-1 (ET-1) e o óxido nítrico (ON), citotoxicidade endotelial mediada por anticorpos, citocinas e proteases, adesão e migração de linfócitos T e B, neutrófilos, monócitos, células NK e plaquetas para a MEC.
- Fibrose: Fibroblastos hiperativos produzem grandes quantidades de colágeno I e III e outras proteínas da MEC, levando à fibrose cutânea e visceral.
- Genética: Poligenia complexa, com polimorfismos do HLA (HLA-DR5 e anti-Scl70, HLA-DR1 e anticentrômero) associados à doença.
- Fatores Ambientais: Solventes orgânicos, sílica, silicone, fármacos (inibidores do apetite, L-triptofano, bleomicina), infecções (citomegalovírus, parvovírus B19).
Epidemiologia
A prevalência da ES varia entre 30-290 casos por milhão de habitantes, com predomínio no sexo feminino (3-8 ♀: 1 ♂). A doença geralmente inicia-se a partir da terceira década na mulher e da quinta década no homem, sendo rara em crianças e adolescentes.
Critérios Diagnósticos
Os critérios diagnósticos da ES incluem:
Critérios ACR 1980
- Critério maior: Esclerodermia proximal às articulações metacarpofalangeanas (MCFs) ou metatarsofalangeanas (MTFs).
- Critérios menores: Esclerodactilia, úlceras ou reabsorção de polpas digitais, fibrose em bases pulmonares.
- Critérios LeRoy e Medsger 2001: Baseados no fenômeno de Raynaud e presença de autoanticorpos específicos.
- Critérios ACR/EULAR 2013: Classificação com pontuação máxima de 19 pontos, classificando como ES se preencher 9 pontos ou mais.
Capilaroscopia Periungueal (CPU)
A CPU é um método de imagem não invasivo para avaliação da microcirculação periférica. O padrão SD caracteriza-se por:
- Precoces (doença ativa): Capilares dilatados/megacapilares e microhemorragias.
- Avançada (dano vascular): Áreas de desvascularização capilar e capilares ramificados/arbustos.
Formas Clínicas
As formas clássicas de apresentação da ES são:
- Cutânea Limitada: Espessamento cutâneo restrito às extremidades dos membros e face, associado ao anticorpo anticentrômero e hipertensão arterial pulmonar (HAP).
- Cutânea Difusa: Espessamento cutâneo precoce estendendo-se pela região proximal dos membros e tronco, fibrose pulmonar, crise renal esclerodérmica, anticorpos anti-Scl70 e anti-RNA polimerase III.
- Sine Scleroderma: Achados clínicos e laboratoriais típicos da ES sem envolvimento cutâneo.
Manifestações Clínicas
- Pele: Fases edematosa, indurativa e atrófica, com espessamento cutâneo, calcinose, telangiectasias, úlceras, alterações de pigmentação, prurido intenso.
- Vascular: Fenômeno de Raynaud (FRy), microulcerações isquêmicas, gangrena.
- Articular: Poliartralgia, artrite, tenossinovites, contraturas em flexão, crepitação tendínea, reabsorção óssea (acrosteólise), fraqueza muscular.
- Trato Gastrointestinal: Dismotilidade esofágica, síndrome de má absorção, pseudo-obstrução intestinal.
- Pulmões: Doença intersticial pulmonar (dispneia progressiva, tosse seca, dor pleurítica), hipertensão arterial pulmonar.
- Coração: Pericardite, miocardite, arritmia cardíaca.
- Rins: Crise renal esclerodérmica, hipertensão arterial grave, insuficiência renal rapidamente progressiva.
Alterações Laboratoriais
Achados laboratoriais incluem anemia leve, anemia hemolítica, pancitopenia e aplasia medular. FAN positivo (> 90%) com padrão nucleolar ou pontilhado. Autoanticorpos específicos: anticentrômero (ES limitada, risco de HAP), anti-Scl70 (ES difusa, doença pulmonar intersticial, prognóstico reservado).
Tratamento
O tratamento da ES depende da gravidade das manifestações clínicas:
- Espessamento Cutâneo: Metotrexato (15-25mg/semana), ciclofosfamida, micofenolato de mofetila, rituximabe.
- Calcinose Subcutânea: Warfarina, diltiazem, minociclina, colchicina, bisfosfonatos, imunoglobulina endovenosa, rituximabe, cirurgia, laser de CO2, litotripsia.
- Fenômeno de Raynaud: Bloqueadores dos canais de cálcio (nifedipina), iloprosta endovenosa.
- Úlceras Isquêmicas: Iloprosta, alprostadil, bosentana, sildenafil.
- Refluxo Gastroesofágico: Inibidores de bomba de próton (omeprazol, lansoprazol), cirurgia em casos refratários.
- Doença Intersticial Pulmonar: Ciclofosfamida, micofenolato de mofetil, rituximabe.
- Hipertensão Arterial Pulmonar: Análogos da prostaciclina, antagonistas dos receptores da endotelina, inibidores da 5-fosfodiesterase.
- Prevenção da Osteoporose: Reposição de cálcio, vitamina D (800-1000 UI/d).
- Tratamento do Prurido: Colestiramina, colestipol, rifampicina, vitamina E.
Pontos Importantes
- Etiologia: Multifatorial, envolvendo predisposição genética e fatores ambientais.
- Manifestações Comuns: Espessamento cutâneo, fenômeno de Raynaud, calcinose, telangiectasias, fibrose pulmonar, crise renal.
- Diagnóstico: Critérios ACR/EULAR 2013, capilaroscopia periungueal.
- Tratamento: Individualizado conforme manifestações clínicas, incluindo metotrexato, bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da bomba de próton, ciclofosfamida, micofenolato de mofetil, rituximabe.
Referências
1. Sampaio-Barros, P. D., et al. "Recomendações sobre diagnóstico e tratamento da esclerose sistêmica." Revista Brasileira de Reumatologia, 2013.
2. Kowal-Bielecka, O., et al. "EULAR recommendations for the treatment of systemic sclerosis: a report from the EULAR Scleroderma Trials and Research group (EUSTAR)." Annals of the Rheumatic Diseases, 2009.
3. Freire, E. A. M., et al. "Esclerose sistêmica." In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP): Manole, 2019.
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