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Insuficiência cardíaca: definição, classificação, sintomas e principais etiologias



1- Qual a definição de Insuficiência Cardíaca?


É o estado fisiopatológico em que o coração se torna incapaz de manter o débito cardíaco adequado para suprir as demandas metabólicas teciduais ou realize com elevada pressão de enchimento. É uma síndrome clínica complexa, que geralmente resulta de alterações estruturais e funcionais que impedem ou dificultam a manutenção de um débito cardíaco normal. Mais frequentemente é resultante de uma alteração estrutural, que compromete a função contrátil, levando a disfunção sistólica, porém, é relativamente frequente na prática clínica a síndrome de Insuficiência Cardíaca com função sistólica preservada, principalmente em pacientes idosos, do gênero feminino, portadores de diabetes e hipertensão arterial.


2-Quais são as classificações da Insuficiência Cardíaca?

  • Insuficiência Cardíaca aguda

  • Insuficiência Cardíaca crônica

  • Insuficiência Cardíaca sistólica

  • Insuficiência Cardíaca diastólica



3- Quais as principais doenças ou agentes que comprometem o coração e determinam o quadro de Insuficiência Cardíaca?


As principais etiologias da Insuficiência Cardíaca no Brasil são:


  • Doença aterosclerótica coronariana (miocardiopatia isquêmica);

  • Hipertensão arterial (miocardiopatia hipertensiva);

  • Agressão miocárdica pelo T. cruzi (miocardiopatia Chagásica);

  • Agressão miocárdica pelo álcool (miocardiopatia alcoólica);

  • Agressões virais (miocardites);

  • Miocardiopatia periparto;

  • Doenças valvulares;

  • Cardiopatias congênitas.

Quando não conseguimos definir a etiologia da dilatação cardíaca, utilizamos a denominação de miocardiopatia dilatada idiopática. Na presença de alguma doença genética ou com comprometimento de membros da mesma família, podemos utilizar a denominação de miocardiopatia genética ou familiar.


4- Quais os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na Insuficiência Cardíaca?


Independente da etiologia, as alterações da função do coração ocorrem por conta de evidentes modificações anatômicas, caracterizadas fundamentalmente por dilatação da cavidade e queda do seu desempenho sistólico, com consequente redução do débito cardíaco e ativação dos mecanismos de compensação, com aumento da frequência cardíaca, aumento de contratilidade, vasoconstricção (redistribuição do fluxo sanguíneo), redução do débito urinário e retenção de sódio e água. Esses mecanismos de "compensação" são alimentados pela ativação do sistema neuro-hormonal, precocemente no início da doença, mesmo antes do aparecimento dos sintomas.



5- Quais são os principais eixos do sistema neuro-hormonal envolvidos na etiopatogênese da Insuficiência Cardíaca?


O sistema neuro-hormonal é representado pela ativação do sistema nervoso autônomo (estimulação simpática), sistema renina angiotensina-aldosterona (SRAA) e arginina- vasopressina, que produzem substâncias vasoconstritoras e proliferativas que determinam

vasoconstricção, retenção de sódio e água, proliferação tecidual, podendo levar a morte celular por necrose e apoptose e consequente reparação tecidual com a formação de fibrose.


Esta ativação deletéria é contrabalançada pela produção de substâncias que são vasodilatadoras e antiproliferativas, como o hormônio natriurético atrial (BNP), as prostaglandinas vasodilatadoras, a bradicinina e o óxido nítrico, que promovem vasodilatação e aumento da diurese e natriurese.


Com o progredir da doença, estes sistemas ativados passam a atuar de forma deletéria, sendo importantes em determinar o fenômeno de remodelação ventricular (mudança de forma do coração) e aparecimento de sintomas, estando estes sistemas envolvidos nos principais mecanismos de morte destes pacientes, que são a morte súbita por arritmia ventricular e a Insuficiência Cardíaca refratária por falência ventricular progressiva.



6- Qual o papel da disfunção endotelial na patogênese da Insuficiência Cardíaca?


Precocemente, mesmo antes do aparecimento dos sintomas, está documentada a presença da disfunção do endotélio vascular na síndrome de Insuficiência Cardíaca, sendo esta alteração caracterizada por uma redução na capacidade vasodilatadora, maior rigidez da parede vascular e, por fim, uma remodelação vascular determinada pela hipertrofia da camada média.


Participam desta disfunção endotelial a ação de substâncias vasoconstritoras e proliferativas, como a angiotensina II, a norepinefrina, as prostaglandinas vasoconstritoras, a aldosterona e, principalmente, as endotelinas, que predominam e se intensificam na evolução da doença.


Tem participação também a perda ou a atenuação da sua resposta vasodilatadora à ação de substâncias como óxido nítrico e prostaciclina. A progressão da disfunção endotelial está associada a maior morbidade e mortalidade da Insuficiência Cardíaca.



7- Qual a participação da atividade inflamatória na etiopatogênese da Insuficiência Cardíaca?

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Inúmeros trabalhos documentam consistentemente um aumento da atividade inflamatória na Insuficiência Cardíaca, sendo esta caracterizada pela elevação de substâncias pró-inflamatórias (citocinas) como as interleucinas (IL) e o fator de necrose tumoral (TNF-alfa).


Está demonstrado que, frente a uma agressão celular ou a uma sobrecarga, os miócitos passam a expressar genes que codificam a síntese destas proteínas inflamatórias. A atividade pró-inflamatória exacerbada está associada à caquexia cardíaca e guarda relação com a gravidade da doença, e está associada a um maior risco de morte.



8- Quais são os principais sintomas da Insuficiência Cardíaca?


A síndrome de Insuficiência Cardíaca é caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas que estarão presentes em graus variáveis dependendo da fase evolutiva da doença. A sintomatologia marcante é decorrente da queda do débito cardíaco que, por sua vez, determina progressiva intolerância ao esforço, sendo caracterizada pelo sintoma dispneia.


Na evolução, observa-se uma tendência permanente à retenção de sódio e água e surgem os sintomas decorrentes do quadro de congestão pulmonar como a ortopneia e a dispneia paroxística noturna. A congestão venosa sistêmica pode determinar sintomas de dor ou desconforto no hipocôndrio direito, pela distensão da cápsula hepática.


São ainda decorrentes do baixo débito crônico fadiga, sonolência, tonturas, oligúria, perda da massa muscular e a caquexia cardíaca. A presença de arritmias ventriculares e/ou supraventriculares pode determinar os sintomas de palpitações e tonturas. A disfunção ventricular pode se manifestar também por arritmia cardíaca, síncope, tromboembolismo sistêmico ou até mesmo a morte súbita.



9- Quais os principais sinais clínicos da síndrome de Insuficiência Cardíaca?


O baixo débito cardíaco pode determinar palidez, pulsos finos, pressão arterial convergente, extremidades frias e redução da perfusão periférica. A congestão pulmonar poderá determinar o aparecimento de tosse, chiado no peito e intolerância ao decúbito baixo. A congestão sistêmica se refletirá pela presença marcante da estase jugular, hepatomegalia, edema de membros inferiores e, frequentemente, ascite.



10- Como se faz o reconhecimento clínico da Insuficiência Cardíaca?


A anamnese e o exame clínico são indispensáveis para o diagnóstico apropriado da síndrome de Insuficiência Cardíaca. Na anamnese são importantes os dados epidemiológicos como doença cardíaca na família, doença reumatológica na infância, origem de zona endêmica para doença de Chagas, passado de hipertensão arterial, infarto prévio, tratamento quimioterápico prévio e ingestão de álcool. Devemos procurar os sinais e sintomas decorrentes do baixo débito cardíaco, da hipertensão venocapilar pulmonar, da congestão venosa visceral e periférica.


No exame clínico devemos buscar os sinais da hipoperfusão periférica, de aumento das cavidades cardíacas, de sopros e bulhas patológicas e dos fenômenos congestivos pulmonares e sistêmicos.



11- Quais os sinais no exame físico que são sugestivos de Insuficiência Cardíaca?


Os sinais clínicos sugestivos de Insuficiência Cardíaca incluem extremidades frias, perfusão periférica lentificada, cianose periférica, pulsos finos ou filiforme, às vezes alternante ou arrítmico, pressão arterial sistólica deprimida ou convergente.


Na avaliação do precórdio podemos encontrar íctus cordis globoso e desviado para a linha axilar. É frequente a presença de taquicardia, as bulhas podem estar hipofonéticas (hipossistolia) e na presença de hipertensão pulmonar encontramos a hiperfonese de P2.


A presença do ritmo de galope, decorrente da presença de terceira bulha é altamente preditiva de disfunção sistólica grave. Devido à dilatação dos anéis atrioventriculares, são frequentes os sopros de regurgitação mitral e tricúspide.


A congestão pulmonar determina o aparecimento de estertores crepitantes, subcrepitantes e sibilos esparsos. A abolição ou redução do murmúrio vesicular é indicativa de derrame pleural, mais frequentemente à direita.


A congestão sistêmica determina estase jugular, refluxo hepatojugular, hepatomegalia, ascite e edema de membros inferiores. Cabe ressaltar que o exame físico nem sempre é sensível para o diagnóstico da Insuficiência Cardíaca ou para a sua diferenciação com outras causas de dispneia, pois nos pacientes estáveis a maioria destes sinais está ausente.



12- Quais são os exames que devem ser solicitados na avaliação inicial do paciente com Insuficiência Cardíaca?


Na avaliação inicial são importantes alguns exames gerais como dosagem de eletrólitos (Na+, K+, Mg+), diminuídos pela ação dos diuréticos. Dosagens de ureia e creatinina - avaliam a repercussão renal da ICC e a insuficiência renal concomitante.


A avaliação hematológica é importante para afastar anemia e infecção, que são fatores que frequentemente agravam o quadro de Insuficiência Cardíaca. A urina I afasta a infecção urinária e avalia proteinúria e glicosúria.


A dosagem de hormônios tireiodeanos é importante, principalmente nas pacientes do sexo feminino, visto que os distúrbios da tireoide podem ser causa ou agravam o quadro de Insuficiência Cardíaca.


Os exames de avaliação cardiológica, como eletrocardiograma, radiografia de tórax e ecocardiograma, irão nos dar informações importantes para diagnóstico, repercussão, tratamento e prognóstico da cardiopatia.



13- Quais as informações importantes do eletrocardiograma na Insuficiência Cardíaca?


O eletrocardiograma irá nos fornecer informações do ritmo cardíaco, pode detectar arritmias ventriculares ou supraventriculares, presença de bloqueios de condução, isquemia, necrose (áreas inativas), sobrecargas de câmaras (voltagem e desvio de eixo) e pode sugerir uma possível etiologia.



Aproximadamente 20% a 30% dos portadores de Insuficiência Cardíaca se encontram em ritmo de fibrilação atrial, 20% a 25% têm bloqueio do ramo esquerdo e a maioria apresenta alterações da repolarização ventricular.



A presença de área inativa é indicativa de miocardiopatia isquêmica e a combinação de bloqueio de ramo direito associado ao hemibloqueio anterior esquerdo é sugestiva de miocardiopatia chagásica.



Cabe ressaltar que um eletrocardiograma normal é extremamente infrequente nos pacientes com Insuficiência Cardíaca por disfunção sistólica.



14 - Quais são os achados mais frequentes na radiografia de tórax de um paciente com Insuficiência Cardíaca?


A presença de cardiomegalia, ou índice cardiotorácico aumentado, é indicativa de aumento de cavidades ventriculares e atriais. Pode demonstrar sinais de congestão pulmonar como proeminência dos hilos, estase vascular, cafalização do fluxo, edema de cisuras, linhas B de Kerley e derrame pleural.


Sinais de hipertensão pulmonar, como abaulamento do tronco da artéria pulmonar, aumento do diâmetro de ramos pulmonares e oligoemia periférica, podem estar presentes. A radiografia pode ainda visualizar processos de condensação por infecção ou infarto pulmonar ou sugerir causas pulmonares para o sintoma de dispneia.







15 - Quando devemos solicitar e quais as contribuições do ecocardiograma na avaliação do paciente com Insuficiência Cardíaca?


O ecocardiograma bidimensional com Doppler é o exame imprescindível e está recomendado por todos os consensos na avaliação de qualquer paciente com suspeita de cardiopatia ou com quadro clínico sugestivo de Insuficiência Cardíaca.


O ecocardiograma define, com precisão, a anatomia cardíaca, tamanho das cavidades, espessura das paredes, grau de disfunção sistólica (cálculo de fração de ejeção) e diastólica (ondas de fluxo mitral, veias pulmonares e doppler tecidual), déficits contráteis segmentar ou global. Avalia também a anatomia e o grau de refluxo ou estenoses valvulares, trombos cavitários e derrame pericárdico.


Com o ecocardiograma podemos estimar indiretamente a pressão sistólica da artéria pulmonar, as pressões de enchimento e o débito cardíaco. É de grande utilidade para definir uma determinada etiologia para a Insuficiência Cardíaca como os defeitos congênitos, as lesões valvulares, as disfunções segmentares, os processos restritivos ou obliterativos.


Tem grande importância também na evolução, para avaliação das intervenções terapêuticas, através das modificações na fração de ejeção, diâmetros ventriculares, refluxos valvulares, pressão pulmonar e pressões de enchimento.


Com a utilização do Doppler color e tecidual podemos avaliar também a complacência e o relaxamento e definirmos a presença de alterações da função diastólica. A volemia pode ser estimada pelo calibre e índice de colabamento da veia cava inferior.







16- Qual a importância da dosagem do fator natriurético atrial (BNP) na avaliação do paciente com suspeita de Insuficiência Cardíaca?


O fator natriurético atrial (BNP) é um peptídeo produzido exclusivamente pelos miócitos atriais e ventriculares em reposta à elevação das pressões de enchimento ventricular, e possui ações natriurética, vasodilatadora e antiproliferativas.


Na Insuficiência Cardíaca descompensada, o BNP se encontra elevado na maioria dos pacientes e guarda uma relação muito consistente com a classe funcional e também com o prognóstico. Por apresentar sensibilidade e especificidade elevadas no diagnóstico de Insuficiência Cardíaca, o BNP tem sido preconizado como um teste muito útil na avaliação de pacientes com dispneia na sala de emergência.


É crescente também na literatura a informação de que a dosagem seriada de BNP poderá auxiliar o clínico como guia terapêutico no manuseio da Insuficiência Cardíaca avançada.


Pela Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia, a dosagem de BNP é essencial nos casos em que os achados de anamneses, exame físico e exames complementares não conseguem definir o diagnóstico na sala de emergência.


Deve-se ressaltar que o BNP pode encontrar-se elevado em outras condições clínicas, como embolia pulmonar, infarto agudo do miocárdio e sepse, sendo necessária clínica sugestiva de insuficiência cardíaca para confirmação do diagnóstico.



17- Quando devemos indicar o cateterismo cardíaco em pacientes com Insuficiência Cardíaca?


O cateterismo é um exame invasivo e deverá ser realizado em situação eletiva, após a compensação máxima do quadro de Insuficiência Cardíaca. Está indicado principalmente quando se suspeita da etiologia isquêmica da miocardiopatia ou para avaliar as repercussões das lesões valvulares congênitas ou adquiridas.



18- Em quais situações a biópsia endomiocárdica deverá ser indicada na avaliação da etiologia da disfunção ventricular?


A biópsia endomiocárdica está indicada em algumas situações muito específicas, como na suspeita de doenças infiltrativas ou de depósitos (amiloidose, hemocromatose, mucopólissacaridoses) e na suspeita de miocardites agudas (viral, eosinofílica, células gigantes) e sarcoidose.



19- Como é feita e qual a importância da avaliação funcional ou o estadiamento da Insuficiência Cardíaca?


São importantes no planejamento terapêutico, na avaliação da resposta ao tratamento e dão informações sobre o prognóstico da doença.


A classificação funcional amplamente adotada é a da NYHA que classifica os pacientes em 4 classes, de acordo com sua limitação (dispneia) para as atividades habituais:


  • CF I – paciente assintomático;

  • CF II – paciente sintomático somente aos grandes esforços;

  • CF III – paciente sintomático aos pequenos e mínimos esforços;

  • CF IV – paciente com sintomas em repouso.

O estadiamento foi proposto pela AHA (American Heart Association) em quatro estágios:


  • Estágio A: pacientes portadores de risco elevado para eventos cardiovasculares (hipertensos, diabéticos, ateroscleróticos), porém sem doença cardíaca estrutural;

  • Estágio B: pacientes com doença cardíaca estrutural, porém assintomáticos;

  • Estádio C: pacientes com sintomas leves a moderados;

  • Estádio D: pacientes em fase avançada da doença, com sintomas intensos e refratários ao tratamento clínico otimizado.



20- Quais os princípios gerais a serem obedecidos no tratamento da Insuficiência Cardíaca?


O tratamento da Insuficiência Cardíaca deve ser norteado através das seguintes recomendações:


  • Tentar determinar a etiologia e, se possível, corrigir a causa da disfunção ventricular;

  • Afastar os fatores agravantes e/ou precipitante da Insuficiência Cardíaca;

  • Orientar o paciente e familiares sobre a gravidade da doença, ressaltar a importância da dieta hipossódica, restrição hídrica, atividade física e aderência ao tratamento medicamentoso.



21- Quais são os principais fatores agravantes ou precipitantes da descompensação cardíaca?


Os principais fatores agravantes ou precipitantes de Insuficiência Cardíaca são listados na tabela 1.



22- Quais são os objetivos a serem alcançados no tratamento da Insuficiência Cardíaca?


O tratamento medicamentoso e ambulatorial dos pacientes com Insuficiência Cardíaca sintomática tem a finalidade de aliviar os sinais e sintomas congestivos, aumentar a tolerância ao esforço, melhorar a qualidade de vida, reduzir hospitalizações, diminuir a velocidade da dilatação ventricular (remodelação), controlar as arritmias ventriculares e supraventriculares e prolongar a vida.



23- Qual a importância da dieta hipossódica e da restrição hídrica para os portadores de Insuficiência Cardíaca?


Na fisiopatologia da Insuficiência Cardíaca se verifica uma tendência permanente para a retenção de sódio e água, que serão responsáveis pela hipervolemia e consequentes fenômenos congestivos.


A congestão é responsável pela maioria dos sintomas e é a principal causa de hospitalização por Insuficiência Cardíaca descompensada. A hipervolemia também agrava a dilatação ventricular e aumenta o refluxo das valvulares atrioventriculares.


Portanto, para os pacientes sintomáticos e, principalmente, se existe alguma evidência de congestão pulmonar e/ou sistêmica, recomenda-se uma dieta com 2 gramas de sal e restrição hídrica.



24- Quais os princípios a serem obedecidos na utilização dos diuréticos no tratamento da Insuficiência Cardíaca?


A despeito de não existirem estudos de grande impacto avaliando os seus efeitos sobre a mortalidade da insuficiência cardíaca, os diuréticos são drogas fundamentais e indispensáveis no manuseio dos pacientes. Não devem ser usados como monoterapia, seu único efeito é o alivio ou a prevenção da congestão. Devem ser usados em doses fracionadas, ao longo do dia, e em doses elevadas nos casos mais graves.


Para os pacientes refratários e descompensados é recomendada a infusão venosa intermitente ou contínua em altas doses e a associação de diuréticos de alça com tiazídicos.


Devemos monitorar os efeitos colaterais como hipopotassemia, hipomagnesemia, hiponatremia, alcalose metabólica, hipovolemia e piora da função renal.



25 - Quais são os fatores associados à resistência aos diuréticos na Insuficiência Cardíaca?


Na Insuficiência Cardíaca descompensada não é infrequente encontrarmos pacientes refratários à ação dos diuréticos. As principais causas de refratariedade são a deterioração hemodinâmica com hipotensão grave, piora da função renal, acidose metabólica, hiponatremia, hipoalbuminemia e uso de drogas nefrotóxicas, como anti-inflamatório não hormonal e aminoglicosídeos, e as drogas que promovem retenção hídrica, como gliotazona e corticoide.



26 - Quais os diuréticos que dispomos para tratamento da Insuficiência Cardíaca?


A maioria dos pacientes necessita de diuréticos de alça como a furosemida em doses de 40 a 320 mg/dia pela via oral, doses de 60 a 320 mg/dia pela via endovenosa e dose de 40 a 160 mg /hora em infusão continua.



Os diuréticos tiazídicos são usados somente pela via oral em dose de 25 a 50 mg/dia, geralmente associados aos diuréticos de alça com o objetivo de potencialização do efeito.



A espironolactona tem pouca potência diurética, mas é muito importante nas fases avançadas da doença, quando pode ter efeito diurético adicional e reduzir a morbidade e a mortalidade da Insuficiência Cardíaca.



Como efeito colateral pode causar hiperpotassema, principalmente em pacientes com insuficiência renal.





27- Qual o impacto do digital no tratamento da Insuficiência Cardíaca e quando devemos utilizá-lo?


O papel do digital no tratamento da Insuficiência Cardíaca foi redefinido com os resultados do estudo DIG-TRIAL, que demonstrou que o digital reduz a morbidade e não altera a mortalidade.


Portanto, a utilização do digital está reservada somente para os pacientes que permanecem sintomáticos, após a otimização com os inibidores da ECA, betabloqueador e antagonista da aldosterona.


Pode ser útil também no controle de arritmias supraventriculares e, pela via endovenosa, na Insuficiência Cardíaca descompensada. Devemos utilizar a digoxina na dose de 0,125 a 0,25 mg/dia e manter o nível sérico de 0,5 a 1,0 ng/dl. Lembrar que os pacientes idosos, as mulheres e os portadores de insuficiência renal são subgrupos de maior risco para intoxicação digitálica.



28- Qual o impacto dos inibidores da ECA no tratamento da Insuficiência Cardíaca?


Vários estudos multicêntricos e randomizados, com casuística de mais de 30 mil pacientes, consolidaram a utilização desta droga no tratamento da Insuficiência Cardíaca.


Estas drogas são fundamentais para o tratamento, pois atuam na prevenção da Insuficiência Cardíaca, no alívio dos sintomas, na melhora hemodinâmica, na remodelação ventricular, na redução de hospitalização e na redução de mortalidade.



29- Para quem e como devemos utilizar os inibidores da ECA?


Esta droga está indicada para todos os pacientes com disfunção ventricular sintomática ou assintomática e também para os pacientes de risco para desenvolver doença cardiovascular (hipertensos e diabéticos), com o objetivo de prevenir a Insuficiência Cardíaca. Devemos utilizar doses otimizadas que foram testadas nos estudos clínicos:


  • captopril: 100 a 150 mg/dia;

  • enalapril: 20 a 40 mg/dia;

  • lisinopril: 20 a 40 mg/dia.

Devemos iniciar com doses baixas em pacientes hipotensos e com insuficiência renal, monitorando eletrólitos e a função renal.



30- Quais são os principais efeitos colaterais com a utilização dos inibidores da ECA?


Essa droga é bem tolerada pela maioria dos pacientes. Os efeitos colaterais mais frequentes são tosse, hipotensão postural e piora da função renal. A tosse ocorre em aproximadamente 15% a 20% dos pacientes, geralmente nas primeiras semanas de uso, de pouca intensidade e que tende a diminuir na evolução, sendo tolerada pela maioria dos pacientes. Na nossa experiência são poucos os pacientes em que temos que suspender a droga por este efeito colateral.



A hipotensão postural sintomática é pouco frequente mesmo com o uso de doses elevadas; geralmente está presente em pacientes mais graves, mais hipotensos previamente e principalmente nos pacientes hipovolêmicos. Contornamos este problema iniciando com doses mais baixas, com aumento gradual e reduzimos o diurético se houver suspeita de hipovolemia.



A piora da função renal pode ocorrer no início do tratamento, geralmente em pacientes já com função renal alterada de base, e tende a se estabilizar e retornar para os valores de creatinina basal.



Assim, a presença de insuficiência renal não é contraindicação para utilização dos IECA e também não é motivo para sua suspensão. Pelo contrário, existe evidência consistente na literatura que os IECA interferem favoravelmente na história da nefropatia de qualquer etiologia.



As contraindicações absolutas para utilização dos IECA são estenose de artéria renal bilateral, gravidez, potássio maior que 5,5, creatinina maior que 3,5,clearance de creatinina <20 ml.



31- Quais são as recomendações para a utilização dos bloqueadores do receptor de angiotensina II na Insuficiência Cardíaca?


Estão indicados formalmente para os pacientes que não toleram os inibidores da ECA. Estudos recentes demonstram que a associação de inibidores da ECA com bloqueadores dos receptores de angiotensina II reduzem a morbidade e a mortalidade dos pacientes com Insuficiência Cardíaca sintomática, porém aumentam a incidência de efeitos colaterais, como hipotensão sintomática e piora da função renal.


Portanto, nos pacientes muitos sintomáticos e já com doses otimizadas do inibidor da ECA, pode-se associar o bloqueador do receptor AT2 e recomenda-se a monitoração da função renal e de eletrólitos.



32- Quais são as recomendações para a utilização de bloqueadores do receptor de angiotensina II associado a receptor da neprilisina?


Indicados nos pacientes que permanecem sintomáticos mesmo após doses altas IECA.



33- Qual o impacto dos bloqueadores dos receptores de aldosterona (espironolactona e eplerenone) na história natural da Insuficiência Cardíaca?


Na fisiopatologia da Insuficiência Cardíaca, a aldosterona se encontra elevada pela ativação do SRAA, pela sua produção no miocárdio e na parede vascular e pela redução da sua metabolização hepática.


A aldosterona desempenha um papel importante por atuar na retenção de sódio e água, na excreção de potássio e magnésio, determinar hipertrofia miocárdica e de parede vascular e, principalmente, interferir desfavoravelmente no processo de remodelação ventricular e vascular, estimulando a formação de fibrose.


A utilização da espironolactona em pacientes com Insuficiência Cardíaca sintomática promove significativa redução de morbidade e mortalidade. A utilização do eplerenone, um antagonista mais seletivo do receptor de aldosterona, em pacientes com disfunção ventricular, após infarto do miocárdio, reduz significantemente a morbidade e a mortalidade, com grande impacto da redução de morte súbita, mas não está disponível no Brasil.



34- Quando e como utilizar a espironolactona na Insuficiência Cardíaca?


Sua utilização está recomendada para todos os pacientes com disfunção ventricular sintomática na dose de 25 a 50 mg/dia. Seus principais efeitos colaterais são:


  • Ginecomastia: ocorre em aproximadamente 10% dos pacientes tratados e é geralmente bem tolerada.

  • Hiperpotassemia: ocorre em aproximadamente 2% a 5% pacientes, principalmente naqueles com função renal alterada ou muito idosos. Nestes pacientes utiliza-se a dose de 25 mg/dia, monitorando-se o potássio sérico nas primeiras semanas.


Contraindicações: creatinina >2,5 ou potássio > 5,9.



35- Qual o impacto dos betabloqueadores no tratamento da Insuficiência Cardíaca?


A ativação simpática está presente frente a qualquer grau de disfunção ventricular e exerce uma série de efeitos deletérios na evolução da doença. A ativação simpática é mediada pela elevação dos níveis circulantes e tecidual de catecolaminas, que determinam vasoconstricção, isquemia, taquicardia, aumento do consumo de oxigênio, apoptose e miocitonecrose. Na ativação simpática existe uma regulação para baixo dos receptores beta-1 adrenérgicos e consequente queda do desempenho cardíaco.


Vários estudos multicêntricos e randomizados demonstraram efeitos extraordinariamente benéficos deste fármaco na morbidade e na mortalidade da Insuficiência Cardíaca, com redução dos sintomas, aumento da fração de ejeção, redução dos volumes e diâmetros ventriculares e redução de morte por falência ventricular e, principalmente, por redução da morte súbita.



36- Quais os betabloqueadores e que doses devemos utilizar no tratamento da Insuficiência Cardíaca?


Os grandes estudos utilizaram os betabloqueadores seletivos de segunda geração metoprolol e bisoprolol e o betabloqueador não seletivo de terceira geração carvedilol; este, além do efeito de bloqueador dos receptores adrenérgicos, possui efeitos acilares de vasodilatação pelo bloqueio alfa periférico e antioxidante. Não está demonstrado benefício maior de uma droga sobre a outra.



As doses preconizadas são aquelas utilizadas pelos trials:


metoprolol: 200 mg/dia;

bisoprolol: 10 mg/dia;

carvedilol 50 mg/dia.

Devemos iniciar o tratamento com o paciente compensado, sem congestão e sem estar usando drogas vasoativas. Iniciamos com doses baixas, com aumentos semanais e procuramos atingir as doses plenas em 4 a 6 semanas.


Ressaltamos que nos pacientes mais graves pode ocorrer piora inicial dos sintomas de Insuficiência Cardíaca, e só vamos observar os efeitos benéficos plenos após alguns meses de tratamento.



37 - Quais são as contraindicações para o uso dos betabloqueadores no tratamento da Insuficiência Cardíaca?


A rigor não existem contraindicações absolutas, existem situações de maior risco para efeitos adversos. De modo geral, 80% a 90% dos portadores de Insuficiência Cardíaca toleram o tratamento otimizado com betabloqueador.


Estas drogas demonstram efeitos benéficos em pacientes de ambos os sexos, em idosos, com cardiopatia isquêmica e não isquêmica, em qualquer classe funcional e são bem toleradas por diabéticos, pulmonares crônicos e portadores de vasculopatia periférica.



Os efeitos adversos mais frequentes são fraqueza, hipotensão arterial, bradicardia, broncoespasmo e piora dos sintomas de Insuficiência Cardíaca. Estes, geralmente, são transitórios e raramente impossibilitam a otimização do tratamento.



A bradicardia sinusal em repouso não é contraindicação para uso do betabloqueador. Nesta situação, devemos avaliar a frequência cardíaca em esforço, suspender drogas dromotrópicas negativas (digital e amiodarona) e na vigência de bloqueios atrioventriculares avançados devemos considerar o implante de marcapasso.



O bisoprolol é mais bem toletado nos pacientes pneumopatas.



38 - No início do tratamento da Insuficiência Cardíaca devemos otimizar primeiro o inibidor da ECA ou o betabloqueador?


Ambas as drogas exercem impacto altamente positivo sobre a morbidade e a mortalidade dos pacientes com Insuficiência Cardíaca. Estudo recente demonstra que a otimização pode ser iniciada com qualquer uma das duas. Nos pacientes mais estáveis podemos inclusive promover a otimização simultânea de ambas.



39 –Qual a indicação para o uso de ivabradina na Insuficiência Cardíaca?


Seu uso está indicado para os pacientes, que a despeito do uso de IECA, beta-bloqueador e inibidor da aldosterona na dose máxima tolerável, ainda permaneçam sintomáticos, com FC >70bpm e fração de ejeção menor que 35%.



Em que situações devemos indicar a anticoagulação oral para os pacientes com Insuficiência Cardíaca?

A anticoagulação está indicada para os subgrupos que apresentam maior risco de fenômenos tromboembólicos como tromboembolismo pregresso, fibrilação atrial e presença de trombo cavitário. É muito importante não esquecer-se da profilaxia para trombose venosa profunda nos pacientes com Insuficiência Cardíaca descompensada quando são hospitalizados.



40- Como devemos tratar as arritmias ventriculares (extrassístoles ventriculares e taquicardia não sustentada) nos portadores de disfunção ventricular?


Estas arritmias estão presentes em mais de 80% dos portadores de disfunção ventricular moderada a grave. Não dispomos de nenhuma droga com propriedade antiarrítmica eficaz e, a maioria das existentes, aumentam o risco de morte pelos seus efeitos pro-arrítmicos.


A amiodarona não reduz o risco de morte nesta população e, portanto, não deve ser utilizada neste contexto. É importante destacar que os betabloqueadores e a espironolactona têm impacto favorável na redução do risco de morte súbita.



41 - Quando devemos indicar a terapêutica de ressincronização ventricular com marcapasso multisítio na Insuficiência Cardíaca?


Aproximadamente 20% a 25% dos portadores de Insuficiência Cardíaca avançada apresentam bloqueio completo do ramo esquerdo (QRS>120 ms). A presença de bloqueio do ramo esquerdo está associada a uma grande probabilidade de existir dissincronia interventricular e esta determina redução do desempenho ventricular e favorece a insuficiência mitral.


A ressincronização com marcapasso biventricular determina melhora hemodinâmica, aumento de fração de ejeção e redução da insuficiência mitral. Os estudos randomizados e multicêntricos demonstraram que a terapia de ressincronização determina melhora da classe funcional, aumento da tolerância ao esforço, redução de hospitalização e redução de mortalidade.


Os critérios para sua indicação são pacientes com Insuficiência Cardíaca avançada (CF III e IV), com fração de ejeção <35%, com QRS>120 ms e com dissincornia comprovada no ecocardiograma, de preferência com a técnica do Doppler tecidual.



42- Quando devemos indicar o implante do cardiodesfibrilador (CDI) nos portadores de disfunção ventricular?


O cardiodesfibrilador, dispositivo de altíssimo custo, está indicado para os pacientes recuperados de morte súbita e para portadores de taquicardia ventricular sustentada (prevenção secundária de morte súbita), como prevenção secundária.


Nesta população de alto risco, existe forte evidência de redução de mortalidade e custo-efetividade aceitável. A despeito de existir evidência de redução de mortalidade com implante de CDI na prevenção primária da morte súbita (pacientes com fração de ejeção <30% e classe funcional II e III), a sua implementação nesta população não tem custo-efetividade aceitável em termos de saúde pública em nosso meio.



43- Qual é a abordagem para os pacientes com Insuficiência Cardíaca descompensada?


A Insuficiência Cardíaca crônica é uma doença progressiva e, a despeito do tratamento otimizado, os pacientes podem apresentar descompensação do quadro de Insuficiência Cardíaca com necessidade de hospitalização.


O primeiro passo é tentar identificar a causa da descompensação: não aderência ao tratamento, uso de subdoses da medicação, uso de anti-inflamatórios não hormonais, piora da função renal, infecção respiratória, tromboemboslismo pulmonar, isquemia miocárdica e arritmias ventriculares ou supraventriculares.


Na avaliação inicial devemos tentar determinar o perfil hemodinâmico do paciente. Os pacientes com sintomas predominantes de congestão e sem sinais de baixo débito (perfil quente e úmido) irão receber diurético endovenoso e vasodilatador.


Já os pacientes com sintomas de baixo débito cardíaco predominante (perfil frio e seco) deverão receber drogas inotrópicas pela via venosa, como a dobutamina na dose de 5 a 10 mcg/kg/dia.


Ressaltamos que é importante manter a medicação em uso e não suspender o betabloqueador. Os pacientes com quadros congestivos graves podem necessitar de furosemida endovenosa contínua nas doses de 10 a 40 mg/hora ou serem submetidos à ultrafiltração.



44- Quais as formas de tratamento cirúrgico da Insuficiência Cardíaca?


Em todos os pacientes com disfunção ventricular, devemos procurar doenças tratáveis pelas cirurgias convencionais. As lesões orgânicas valvulares (estenoses ou insuficiências) devem ser abordadas cirurgicamente, mesmo na vigência de disfunção ventricular severa. A miocardiopatia isquêmica devera ser tratada com revascularização cirúrgica ou percutânea.


Extensas áreas de fibrose e o aneurisma ventricular devem ser ressecados para promover a remodelação ventricular reversa. O transplante cardíaco é o único procedimento cirúrgico amplamente aceito para o tratamento da Insuficiência Cardíaca avançada e refratária ao tratamento clínico otimizado.



45- Quando devemos encaminhar o paciente com insuficiência para uma avaliação para possível transplante cardíaco?


Com a otimização da terapêutica medicamentosa com inibidores da ECA, espironolactona, betabloqueadores e diuréticos a maioria dos pacientes com disfunção ventricular permanece estável e pouco sintomático.


Devemos encaminhar, para um possível transplante cardíaco, somente os pacientes com disfunção ventricular grave, fração de ejeção <30%, que a despeito do tratamento clínico otimizado, permanecem muito sintomáticos (CF III e IV), com baixa tolerância ao esforço (VO2 < 12 ml/kg/min), com hospitalizações frequentes por descompensação da Insuficiência Cardíaca, e pacientes com arritmia ventricular de alto risco.



- Leitura recomendada

ACC/AHA 2017 – Guideline update for diagnosis and management of chronic heart failure in the adult. www.americanheart.org.


ESC guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure 2016.


www.escardio.org


IV diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia para o diagnóstico e tratamento da insuficiência cardiac aguda e crônica. Arq Bras Cardiol 2018;111(supl 3):436-539. www.cardiol.br


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