1- Sobre a epidemiologia da litíase urinária, o que se pode dizer sobre a distribuição entre os gêneros?
Os cálculos renais são três vezes mais comuns em homens do que em mulheres.
2- E quanto à distribuição etária?
Os cálculos são incomuns antes dos 20 anos, o pico de incidência ocorre na quarta para sexta década de vida.
3- Como o estilo de vida impacta na formação de cálculos?
O sedentarismo e a dieta pouco saudável levam à obesidade e síndrome metabólica. A incidência e a prevalência da litíase têm relação direta com o índice de massa corporal (IMC). Indivíduos com IMC aumentado excretam níveis elevados de oxalato, ácido úrico, sódio e fósforo, além de serem mais propensos à formação de cálculos de ácido úrico.
4- Outra condição que frequentemente se associa à síndrome metabólica é o diabetes mellitus. Como esses pacientes sofrem maior risco de litíase?
O paciente com DM pode ter o metabolismo do amônio alterado, resultando em uma urina mais ácida, predispondo à formação de cálculos de oxalato de cálcio e/ou ácido úrico.
5- Sobre os produtos eliminados na urina, como eles se transformam em cálculos?
A elevação da concentração de sais na urina é um dos fatores que determinam a agregação de moléculas na forma de cristais; uma urina com concentração muito alta é chamada de supersaturada.
6- Então, além da saturação elevada, que outros fatores contribuem para a formação de cristais e seus cálculos?
Na urina há proteínas que são inibidoras da agregação dos cristais, por exemplo, a proteína de Tamm-Horsfall; há também sais que atuam como inibidores, como o citrato. Este, se liga ao cálcio inibindo a formação de cálculos, reduzindo a aglomeração e o crescimento de cristais, além de aumentar o efeito inibitório daquela proteína de Tamm-Horsfall. Baixos níveis de magnésio resultam em menor atividade inibitória e podem estar associados à diminuição dos níveis de citrato na urina. Há estados de acidez/alcalinidade que podem induzir a formação de cálculos. A agregação de cristais é resultado do desequilíbrio entre fatores inibitórios e promotores.
7- Então um nível baixo de citrato na urina pode ser um fator de desequilíbrio?
Sim; estaríamos falando da hipocitratúria, definida como excreção urinária de citrato abaixo de 320 mg/dia.
8 - O que são as placas de Randall?
São focos de calcificação localizadas logo abaixo do urotélio nas papilas renais; postula-se que sirvam de âncora sobre a qual cristais de oxalato de cálcio possam crescer.
9- Qual é o tipo de cálculo mais comum?
Oxalato de cálcio. Esse cálculo corresponde a 60-80% dos casos (dependendo da referência); cálculos mistos de oxalato de cálcio e hidroxiapatita @ 20%; bruxita @ 2%; ácido úrico @ 10%; estruvita @ 10% e cistina @ 1%.
10 - De onde vem o oxalato?
O oxalato é encontrado na maior parte dos vegetais habitualmente consumidos e outros alimentos, destacando-se o espinafre, a beterraba, o quiabo, brócolis, morango, chocolate e nozes. Cerca de 10-20% do oxalato urinário geralmente é de fonte dietética; algumas fontes referenciam que chegue até a metade. O excesso da excreção de oxalato é chamado hiperoxalúria, marcada pela excreção maior que 40 mg/dia.
11- O que influencia a absorção do oxalato?
Cálcio, magnésio e bactérias que degradam o oxalato na luz intestinal podem influenciar a sua absorção.
12- Quais condições podem aumentar a absorção do oxalato?
Doenças do intestino delgado ou história de ressecção intestinal e um cólon intacto têm maior absorção de oxalato.
13- Nossa, então, um indivíduo obeso – que tinha maior risco de formar cálculos – faz a cirurgia bariátrica com derivação em Y de Roux, esse paciente continua incorrendo em risco aumentado de formar cálculos?
Sim. Enfim, hipocrisia. Mas você vai concordar que o paciente vai se beneficiar em muitos outros aspectos de sua saúde.
A má absorção por qualquer causa, incluindo o by-pass jejunoileal, aumenta a quantidade de ácidos graxos e sais biliares na luz intestinal. Os íons de cálcio acabam se juntando com os ácidos graxos e são eliminados nas fezes. Então sobra oxalato, que será absorvido pelos intestinos; some a isso o fato de que os sais biliares amplificam a capacidade do cólon em absorver oxalato. O principal local de absorção intestinal do oxalato é no intestino grosso.
14 - E o cálcio que se liga ao oxalato, qual sua origem?
A absorção do cálcio ocorre principalmente no intestino delgado, um precursor da vitamina D é o principal estimulante da sua absorção. O paratormônio entra na rota do metabolismo da vitamina D e do cálcio estimulando a reabsorção do cálcio no rim e aumentado a excreção de fosfato.
15 - Então, o excesso de excreção de cálcio também é importante para a formação do cálculo?
Sim, isso será chamado de hipercalciúria, marcada pela excreção urinária superior à 4 mg/kg/dia; é a anormalidade mais comum identificada na formação de cálculos de cálcio.
16- Existem causas específicas que justifiquem a excreção excessiva de cálcio?
Sim. Podem ocorrer a hipercalciúria absortiva (relacionada à absorção intestinal aumentada), hipercalciúria renal (relacionada à reabsorção renal prejudicada, causando hiperparatireoidismo secundário) e hipercalciúria reabsortiva (relacionada ao hiperparatireoidismo primário ou à liberação de sinalizadores PTH-Like por alguns tumores).
17 - Hiperparatireoidismo primário e litíase do trato urinário, quando avaliada a necessidade de intervenção no cálculo, qual o tratamento a ser seguido?
Paratireoidectomia.
18 - Como são formados os cálculos de ácido úrico?
Aqui falamos dos pacientes que eliminam ácido úrico de forma exagerada, hiperuricosúria. Os cálculos de ácido úrico dependem de uma urina considerada ácida para que os sais se organizem em cristais. A solubilidade do ácido úrico é cerca de 10 vezes maior no pH 7 do que no pH 5. Detalhe importante: pacientes com hiperuricosúria têm mais litíase de oxalato de cálcio devido ao processo de nucleação heterogênica dos cristais.
19 - Outros cálculos também podem se formar nessa urina mais ácida?
Sim. Os sais de cistina dependem desse meio ácido para a sua cristalização. São cálculos formados pelo defeito no transporte de quatro aminoácidos: cistina, lisina, ornitina e arginina. Tem relação com doença autossômica recessiva e corresponde a mais de 10% dos cálculos em crianças.
20 - Sobre a urina muito ácida, do que se trata a acidose tubular renal?
É uma condição causada por acidose metabólica hipocalêmica; a formação de cálculos ocorrerá na acidose tubular renal do tipo I; está relacionada à hipocitratúria e o excesso de fosfato e cálcio na urina. O excesso de íons H+ no sangue está relacionado com a deficiência dos túbulos distais em manter o gradiente ideal daquele íon. O tratamento é a alcalinização da urina com bicarbonato de sódio ou citrato de potássio.
21- Os cálculos de cistina e ácido úrico têm mais alguma coisa em comum?
Sim, são cálculos de difícil visualização com os exames radiográficos convencionais. Os cálculos de cistina são pouco radiopacos e os cálculos de ácido úrico são radioluscentes, assim como cálculos de indinavir, urato de amônia, 2,8 di-hidoxiadenina e xantina.
22- Indinavir é uma das drogas frequentemente utilizadas no tratamento do HIV. Existem outras medicações que podem formar cálculos?
Sim, existem relatos de cálculos de triampterina, sílica, efedrina e até ciprofloxacino.
23 - Os cálculos de cistina têm relação com a genética. Existem outros cálculos que têm essa característica?
Sim. São exemplos de “cálculos genéticos” a 2,8 di-hidoxiadenina e os cálculos de xantina.
24- Já que citamos uma nomenclatura diferente, o que são os cálculos infecciosos?
São os cálculos de estruvita, cuja formação está relacionada com estados crônicos de infecção da via urinária por bactérias que fazem a quebra da ureia.
25 - Que exemplos de bactérias teríamos com essa característica?
Patógenos que quebram a ureia, com a enzima urease, incluem Proteus, Klebsiela, Pseudomonas e Staphilococcus. Os cálculos de infecção são compostos de magnésio fosfato de amônio e podem conter carbonato de apatita; dependem de um meio alcalino para a sua formação. Vale destacar um cálculo infeccioso pode também ser decorrente de infecção pela Escherichia coli, que habitualmente não é capaz de degradar a ureia (apenas formas raras dessa bactéria produzem urease). Ela pode estar associada em cerca de 13% das infecções, talvez por infecção metacrônica.
26 - E quanto aos aspectos clínicos da litíase? Do que se trata a cólica nefrética?
É um episódio de dor relacionado como aumento da pressão dentro do sistema coletor que é transferida para o parênquima, causando distensão da cápsula renal. Esse aumento da pressão dentro do sistema coletor pode ocorrer quando um cálculo fica impactado no trajeto do fluxo urinário. A cólica nefrética é habitualmente relatada como lombalgia que irradia para flanco ipsilateral e genitália (grandes lábios, na mulher ou escroto, no homem).
27 - Quais são os locais habituais de impactação dos cálculos?
Considerando o trato urinário alto, existem três pontos de constrição fisiológica do sistema coletor: junção ureteropélvica, cruzamento do ureter com os vasos ilíacos e junção ureterovesical. Cálculos ureterais frequentemente ficam impactados em uma dessas posições.
28 - Qual o padrão de sintomas nesses casos?
Além da cólica nefrética, o paciente pode relatar náuseas e apresentar vômitos. Podem ocorrer episódios de hematúria, o sangue na urina relacionado com a lesão do urotélio. Eventualmente, o paciente pode apresentar febre, o que indica quadro infeccioso ativo, potencialmente grave.
29 - Essa é certamente uma condição frequente no pronto-socorro. Quais diagnósticos diferenciais devo ter em mente?
Além de condições menos comuns, há outros sinais e sintomas como o Herpes Zoster ou a Pneumonia; pode-se pensar em órgãos e sistemas vizinhos, por exemplo:
Aparelho digestivo – apendicite, colecistite, diverticulite, pancreatite;
Vasculares – aneurisma, trombose veia renal, dissecção da aorta;
Musculoesquelético – dor óssea, dor muscular.
30 - Qual o método diagnóstico padrão ouro para o diagnóstico da urolitíase?
Tomografia de abdome e pelve sem contraste. Esse exame deve informar o tamanho, localização topográfica, distância pele-cálculo e densidade do cálculo (em unidades Hounsfield).
31- Esse exame não está disponível em todos os lugares, que outros métodos podem ser utilizados?
A ultrassonografia pode, eventualmente, identificar os cálculos impactados, mas frequentemente evidenciam a uretero-hidronefrose, que é a dilatação do sistema coletor à montante do ponto de impactação. É um exame operador dependente e não emite radiação, tem sensibilidade inferior à radiografia. Uma radiografia simples de abdome pode ser utilizada, mas não têm poder de teste suficiente (sensibilidade de 85%) para o diagnóstico assertivo; ainda assim tem utilidade já que 90% dos cálculos são radiopacos, possibilitando orientar algumas condutas à depender da forma, dimensão e localização da imagem suspeita; mas cuidado, é um método que superestima o tamanho verdadeiro do cálculo em 59% dos casos.
32 - Por que não utilizar técnicas radiográficas com contraste?
O uso do contraste iodado tem efeitos colaterais que incluem alergias, reação cruzada com hipoglicemiantes orais (metformina, por exemplo) e nefrotoxicidade. Se lembre que o paciente pode estar com uma das vias excretoras obstruída e sofrendo impacto na taxa de filtração glomerular global. A chamada urografia excretora já foi muito usada para o estudo radiológico da litíase, mas atualmente é conduta de exceção.
33- No evento de dor aguda, quais as recomendações para controle álgico?
Segundo as diretrizes da EAU (European Association of Urology), o alívio da dor dos quadros agudos de cólica renal por litíase do trato urinário podem ser feitos de forma eficiente usando AINES (incluindo a dipirona) ou paracetamol, que apresentam eficácia analgésica até melhor do que os opioides. Esse grupo farmacológico tem maior associação com eventos eméticos e tendem à precisar de outros analgésicos complementares no curto prazo.
34 - A dipirona é um AINE; existem outros fármacos dessa classe que podem ser usados?
Sim, mas quanto ao emprego de outros AINEs famosos devemos estar atentos à função renal do paciente e ao histórico de doenças cardíacas; o diclofenaco, por exemplo, está contraindicado em pacientes com histórico de ICC, doença arterial coronariana, doença cerebrovascular ou doenças arteriais periféricas.
35- Alguma outra terapia pode ser implementada para tentativa de alívio do quadro?
Cálculos ureterais impactados, que são muito pequenos, têm grande chance de serem expelidos espontaneamente; cálculos com mais de 6 mm terão menor chance de eliminação. Ainda assim, para cálculos distais de tamanho entre 5-6 mm podemos implementar a chamada terapia expulsiva, que consiste no bloqueio alfa-adrenérgico seletivo, com tansulosina, por exemplo.
Essa terapia expulsiva é um tratamento conservador que tem algumas vantagens:
Aumenta a efetividade de eliminação;
Reduz o tempo de eliminação;
Reduz os episódios de cólica nefrética;
Reduz as necessidades de analgésicos.
As diretrizes europeias destacam que a terapia expulsiva só deve ser usada para pacientes bem informados e nos casos em que a remoção ativa do cálculo não é indicada.
36 - E se a dor continuar? E se houver febre com outros sinais de gravidade?
As diretrizes europeias recomendam fortemente que a intervenção descompressiva ou ureteroscópica para remoção do cálculo seja oferecida aos pacientes com uterolitíase que apresentam quadros álgicos refratários à terapia farmacológica. Frente a sinais de sepse, o tratamento definitivo do cálculo deve ser postergado após a resolução do quadro infeccioso, que será feito de acordo com as recomendações fortes da EAU:
Descomprima urgentemente o sistema coletor, usando drenagem percutânea ou cateter ureteral;
Colete urocultura com antibiograma após a drenagem do trato urinário;
Inicie antibióticos imediatamente (mais tratamento intensivo, se necessário);
Revise o tratamento antibiótico após o resultado do antibiograma.
37 - Sobre as condutas ativas do tratamento do cálculo ureteral, quais tecnologias podem ser utilizadas?
Cálculos ureterais podem ser tratados por técnicas minimamente invasivas endoscópicas ou por litotripsia extracorpórea (LECO), a depender do ponto de impactação e aspectos do cálculo e do paciente. Os Guidelines da AUA (American Urological Association) e da EAU (Euroepan Association of Urology) recomendam que, para pacientes que falham ou têm pouca chance de sucesso com o tratamento por LECO e/ou ureterorrenolitotripsia endoscópica, o urologista pode oferecer técnicas mais invasivas como a ureterorrenolitotripsia endoscópica percutânea anterógrada, ureterolitotomia aberta ou laparoscópica (convencional ou assistida por robótica).
38 - Quais aspectos do cálculo ureteral favorecem o tratamento pela LECO?
É importante entender que existe uma correlação linear entre as unidades Hounsfield do cálculo (a densidade dele) e o sucesso da LECO. Então, para cálculos com mais de 1000 UH, o uso dessa tecnologia é desencorajada. De modo geral, a LECO não será indicada para tratamento de cálculos ureterais:
Se tiver ocorrido falha prévia com a mesma técnica;
Cálculo volumoso, muito denso;
Obstrução/impactação;
Dúvidas quanto à certeza do resultado.
39 - O que podemos dizer sobre a comparação da LECO e das técnicas endoscópicas no tratamento dos cálculos ureterais?
As diretrizes europeias destacam algumas informações importantes, que ajudam na orientação do paciente e na tomada de decisão quanto à intervenção:
Ureteroscopia foi associada com menor índice de retratamento e necessidade de procedimentos secundários, mas com uma maior necessidade de procedimentos aditivos, maiores taxas de complicações e maior permanência hospitalar;
Informe os pacientes que a ureterolitotripsia (URS) tem a melhor chance de obter um estado livre de cálculos com um único procedimento;
Informe os pacientes que a uretelitotripsia tem maiores taxas de complicação quando comparada com a LECO;
Em casos de obesidade severa, use a ureterolitotripsia como primeira linha de tratamento para cálculos ureterais (e renais);
Use a ureterorrenolitotripsia endoscópica percutânea anterógrada como alternativa à LECO para tratamento dos cálculos ureterais, quando essa última modalidade não for indicada ou falhar e quando o acesso não for favorável à ureterolitotripsia endoscópica retrógrada.
40 - Quais são as complicações mais comuns da ureterolitotripsia endoscópica?
Em estudo referenciado no principal livro texto da urologia, Campbell-Walsh (Urology, 11ª edição), a taxa de complicação global das ureterolitotripsias realizadas foi de 3,5%, a mais frequente delas foi a febre (1,8%). Considerando complicações cirúrgicas diretas, podem ocorrer lesões ao urotélio que podem resultar em cicatrizações exacerbadas formando constrições chamadas estenoses, que limitam a capacidade de drenagem do sistema coletor; essa é a complicação mais comum e tem incidência entre 3-6%, segundo referências daquele livro. Podem ocorrer complicações mais graves como perfurações da parede do ureter e perda do cálculo no retroperitôneo; mas a complicação mais temida é a avulsão completa do ureter, que atualmente é muito rara.
41- Existem contraindicações à ureterolitotripsia?
Além de problemas gerais, por exemplo, com anestesia geral ou ITUs não tratadas, a ureterolitotripsia pode ser realizada em todos os pacientes sem quaisquer contraindicações específicas. A ureterolitotripsia pode ser realizada em pacientes com distúrbios hemorrágicos, mas com um aumento moderado na chance de complicações.
42- A LECO é um procedimento não invasivo e não cruento, ela tem contraindicações?
De acordo com as diretrizes europeias, as contraindicações da LECO são poucas, mas incluem:
• gravidez;
• alterações da coagulação, as quais devem ser compensadas ao menos 24h antes e 48h após o tratamento;
• infecções urinárias não tratadas;
• malformações esqueléticas acentuadas e obesidade severas, as quais limitam posicionar o cálculo no alvo do litotritor;
• aneurisma arterial na proximidade do cálculo;
• obstrução anatômica distal ao cálculo.
43 - Gravidez e litíase da via urinária? Qual a relação?
A gravidez induz a um estado de hipercalciúria absortiva e hiperuricosúria moderada que são compensadas pelo aumento de excreção de inibidores urinários como citrato e magnésio; além disso ocorre um aumento da diurese. Embora as alterações metabólicas da gestação não influenciem diretamente na taxa de ocorrência de novos cálculos, o tratamento de gestantes com cálculos sintomáticos ou impactados pode ser um desafio.
44- Sobre quais desafios estamos falando no manejo da gestante com litíase urinária?
Para começar, no diagnóstico, o uso de radiação deve ser evitado, então, Campbell-Walsh (Urology, 11ª edição) descreve que a ultrassonografia transvaginal pode ser utilizada para observarmos cálculos em ureter inferior. As diretrizes europeias dão as seguintes recomendações:
Use a ultrassonografia como método de imagem de escolha nas mulheres grávidas;
Nas mulheres grávidas, use a ressonância magnética como uma segunda linha de modalidade para aquisição de imagens;
Nas mulheres grávidas, use a tomografia computadorizada com baixas doses de radiação como uma opção de última linha.
Cerca de 50-80% das gestantes eliminarão o cálculo espontaneamente. Quando essa passagem não ocorre ou se surgem complicações (exemplos: sintomas de difícil controle, hidronefrose moderada ou grave, indução de parto prematuro), intervenções podem ser necessárias. Como já foi dito, a LECO está contraindicada. Em algumas situações, quanto menor e mais rápida a intervenção, melhor para a paciente. A desobstrução da via urinária pode ser feita implantando um cateter ureteral (do tipo duplo J) ou até mesmo realizando a derivação urinária por nefrostomia (o que é pouco tolerado). Paradoxalmente, tem sido sugerido que aquelas alterações metabólicas na urina podem contribuir para a incrustação acelerada de cristais no entorno do duplo J durante a gestação.
45- Sobre essas recomendações de diretrizes, como resumir a abordagem da ureterolitíase?
É compreensível que tanta informação precise de um momento de reorganização das ideias assimiladas. Segue abaixo o resumo das orientações dos Guidelines da EAU:
46 - E em relação à litíase no interior do rim?
O que chamamos nefrolitíase e terá o tratamento também diferenciado em relação ao local, tamanho, número e densidade dos cálculos.
47- Quais são as vias e tecnologias de tratamento possíveis para a nefrolitíase?
Temos a litotripsia extracorpórea, já falada LECO; técnica considerada não invasiva e não cruenta. Temos, também, as tecnologias endoscópicas minimamente invasivas, que permitem o acesso através do trato urinário, com o aparelho de ureterorrenolitotripsia endoscópica flexível ou o acesso através da pele, que permite a nefrolitotripsia endoscópica percutânea (NPC) e também a introdução daquele mesmo aparelho flexível permitindo o acesso anterógrado tanto para o sistema coletor como para o ureter.
Existem casos em que as cirurgias abertas e laparoscópicas (convencionais ou assistida por robótica) precisam ser utilizadas.
48- Como é feita a quebra dos cálculos?
Para começar, nem sempre o cálculo precisa ser quebrado. Às vezes ele pode (ou precisa) ser retirado (litotomia); mas quando é possível realizar a fratura do cálculo (litotripsia), temos vários tipos de energia. A LECO, por exemplo, emite ondas mecânicas focadas no cálculo. Já as tecnologias endoscópicas podem usar lasers tanto para os aparelhos usados no acesso percutâneo como para o aparelho flexível.
Os aparelhos usados na via percutânea, que chamamos nefroscópios, permitem o uso de litotridores ultrassônicos. O ureterorrenoscópio semirrígido, que às vezes dá acesso a cálculos na pelve renal, permite o uso de litotridores balísticos pneumáticos que produzem ondas mecânicas em contato direto com o cálculo.
49 - A LECO parece ser uma linha de tratamento muito importante, já que não é invasiva e nem faz cortes. Não acredito que sejam só vantagens, ela deve ter alguma limitação. Existem fatores favoráveis ao sucesso desse procedimento?
Com razão. Cada forma de tratamento tem indicações, contraindicações e complicações específicas. A LECO é conhecida como indutora de alterações agudas na estrutura do rim que abrigava o cálculo; a lesão é inicialmente vascular.
Considerando o tratamento dos cálculos renais, a LECO estará bem recomendada nas seguintes situações:
Cálculos menores que 2 cm;
Cálculos com densidade menor que 1000 UH;
Distância pele-cálculo menor que 10 cm;
Cálculos com essas características acima terão maior chance de tratamento de sucesso.
Cistina e bruxita são os cálculos mais resistentes para a LECO, seguido dos cálculos de oxalato de cálcio mono-hidratado.
Por outro lado, os cálculos mais favoráveis ao uso da LECO são compostos de hidroxiapatita, estruvita, oxalato de cálcio di-hidratado e ácido úrico (em ordem decrescente).
Algumas contraindicações devem ser consideradas, alguns cuidados especiais também devem ser feitos.
50 - Então, quais são as contraindicações para a LECO no tratamento dos cálculos renais?
De modo geral, são contraindicações:
Gravidez:
risco de descolamento de placenta e parto prematuro, por exemplo;
Coagulopatias:
se lembra que falamos sobre as alterações agudas da estrutura renal?;
risco de sangramentos e hematoma perirrenal, por exemplo;
pacientes com hipertensão têm maior risco de desenvolver hematoma perirrenal;
Estenose ureteral:
lembre-se que os pequenos fragmentos devem sair;
Dificuldade de visualização pelos métodos de imagem:
durante o procedimento podem ser usados a ultrassonografia ou a radioscopia;
Cálculos múltiplos;
Rim único;
Obesidade (relação com aquela distância pele-cálculo).
52 - Feita a litotripsia, o cálculo é deixado lá e o paciente elimina sozinho?
Fragmentos muito pequenos podem ser eliminados espontaneamente. Durante procedimentos endoscópicos são usadas habitualmente pequenas cestas para a retirada de fragmentos. Pedaços menores podem se tornar matrizes para a agregação de cristais e novo surgimento do cálculo. Essa preocupação é ainda maior para os cálculos infeciosos.
53 - O que é uma rua de cálculos?
É uma condição decorrente da impactação de múltiplos fragmentos de cálculos no ureter após uma nefrolitotripsia, sendo o termo utilizado em algumas publicações é Steinstrasse. Por isso, é importante a retirada dos fragmentos. Essa impactação pode ser tratada conservadoramente em alguns casos, já que a eliminação espontânea pode ocorrer. Mas por vezes pode ser necessária uma segunda intervenção, como a ureterolitotripsia ou mesmo a LECO. O importante é desobstruir o sistema coletor; o uso do cateter duplo J ou até mesmo um cateter de nefrostomia será útil em tal procedimento. O uso de alfabloqueadores também pode ser empregado para auxiliar na eliminação desses cálculos.
54 - Os fármacos alfabloqueadores seletivos têm muita utilidade na urologia. No contexto dos tratamentos da litíase, existem outras situações em que ele é empregado?
Sim. Essas drogas melhoram a tolerabilidade do paciente em relação à presença do cateter duplo J.
55- Assim como para os cálculos ureterais, existem diretrizes para o cuidado dos cálculos renais?
Sim, mas existe a preocupação também em relação à localização do cálculo, além do tamanho; o livro-texto da urologia resume:
Cálculos < 1 cm são melhor tratados com LECO ou extração por URS;
Cálculos 1-2 cm que não estão no polo inferior são melhor tratados com LECO ou NLC;
Cálculos > 2 cm são mais bem tratados com NPC.
55- E os Guidelines da EAU, como descrevem?
Um dos algoritmos propostos pela EAU segue abaixo:
*O termo “endourologia" engloba as modalidades NPC e URS. NPC: nefrolitotripsia percutânea, URS: ureterorrenoscopia, LECO: litotripsia extracorpórea.
56- E para cálculos do cálice inferior?
Para cálculos nessa posição, abordagens por via percutânea podem ser mais efetivas, quando as condições não são favoráveis à LECO; a URS depende da viabilidade de reposicionamento do cálculo em posição mais adequada para a introdução da fibra que entrega a energia laser.
*O termo “endourologia" engloba as modalidades NPC e URS. NPC: nefrolitotripsia percutânea, URS: ureterorrenoscopia, LECO: litotripsia extracorpórea.
57 - E os cálculos do trato urinário inferior, têm a mesma gênese que aqueles do trato superior?
Embora a fisicoquímica seja semelhante, conceitualmente existem dois tipos de cálculos do trato urinário inferior. Há cálculos que se formaram no trato alto, migraram para a bexiga e dali não saem e há cálculos que se formam na própria bexiga.
%8 - Que condições podem favorecer àquele aprisionamento de cálculos na bexiga?
Você percebeu que, independente do local de surgimento do cálculo, ele cresceu ali por condições de falhas do esvaziamento vesical e existência de condições fisicoquímicas da urina que permitem a agregação de cristais; estes podem também sofrer depósito em torno de corpos estranhos no interior da bexiga (fios cirúrgicos inabsorvíveis, por exemplo). Então, por exemplo, distúrbios neurológicos que impedem o esvaziamento da bexiga podem ter relação com a cistolitíase. Mas, note-se: a obstrução de saída da bexiga chega a ser a etiologia de mais de 75% dos cálculos vesicais e é muitas vezes relacionado à hiperplasia prostática benigna.
59 - E como pode ser feito o tratamento desses cálculos?
Tanto por técnicas endoscópicas (cistolitotripsia) como por técnicas abertas (cistolitotomia)