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Miocardite: Fisiopatologia, etiologia e sinais e sintomas e tratamento



Miocardite é a inflamação do miocárdio com necrose dos miócitos cardíacos. Miocardite pode ter várias causas (p. ex., infecção, cardiotoxinas, fármacos e doenças sistêmicas como sarcoidose), mas com frequência é idiopática. Sintomas podem variar e incluem fadiga, dispneia, edema, palpitação e morte súbita. O diagnóstico baseia-se em sintomas e achados clínicos de eletrocardiografia (ECG) anormal, biomarcadores cardíacos e imagens cardíacas na ausência de fatores de risco cardiovasculares. Biópsia endomiocárdica confirma o diagnóstico clínico da miocardite. O tratamento depende da causa, mas as medidas gerais incluem fármacos para tratar insuficiência cardíaca e arritmias e raramente cirurgia (p. ex., bomba com balão intra-aórtico, dispositivo de assistência ventricular esquerda, transplante). Imunossupressão é útil em certos tipos de miocardite (p. ex., miocardite por hipersensibilidade, miocardite de células gigantes, miocardite causada por sarcoidose) .

Fisiopatologia da miocardite

Miocardite é uma inflamação do miocárdio com necrose das células cardíacas do miócito. Miocardite comprovada por biópsia tipicamente demonstra infiltrado inflamatório do miocárdio com linfócitos, neutrófilos, eosinófilos, células gigantes, granulomas ou uma mistura.

A fisiopatologia da miocardite continua sendo objeto de pesquisa. Potenciais mecanismos que levam à lesão miocárdica incluem

  • Lesão direta dos cardiomiócitos causada por agente cardiotóxico infeccioso ou outro agente

  • Lesão miocárdica causada por reação autoimune a um agente cardiotóxico infeccioso ou outro agente

Inflamação do miocárdio pode ser difusa ou focal. A inflamação pode se estender para o pericárdio (causando miopericardite). O grau do envolvimento miocárdico e a extensão para o pericárdio adjacente pode determinar o tipo do sintoma. O envolvimento difuso pode levar à insuficiência cardíaca, arritmias e, às vezes, morte súbita cardíaca. O envolvimento focal tem menor probabilidade de causar insuficiência cardíaca, mas pode levar a arritmias e morte súbita cardíaca. O envolvimento do pericárdio leva à dor torácica e outros sintomas típicos da pericardite. Alguns pacientes permanecem assintomáticos, sendo o envolvimento miocárdico focal ou difuso.

Etiologia da miocardite

Miocardite pode resultar de causas infecciosas ou não infecciosas. Muitos casos são idiopáticos (ver tabela Causas da miocardite).

Miocardite infecciosa é mais frequentemente viral nos EUA e em outros países desenvolvidos. As causas virais mais comuns nos EUA são parvovírus B19 e vírus do herpes humano 6. Nos países em desenvolvimento, a miocardite infecciosa é mais frequentemente associada com cardite reumática, doença de Chagas ou aids. Lesão miocárdica direta decorrente de infecção por SARS-CoV-2, com sintomas variando de leve desconforto torácico a miocardite fulminante, é incomum em pacientes com covid-19, mas o risco de miocardite é 16 vezes maior naqueles com infecção do que naqueles não infectados.

Causas não infecciosas incluem cardiotoxinas, certos fármacos e alguns distúrbios sistêmicos. Denomina-se a miocardite causada por fármacos miocardite por hipersensibilidade. A miocardite pós-vacinação com mRNA contra a covid-19 é rara e muito menos comum do que a miocardite associada a covid. Ocorre principalmente em adolescentes e homens jovens, geralmente uma semana após a vacinação, e costuma ser leve.

TABELA

Miocardite de células gigantes Miocardite de células gigantes é uma forma rara da miocardite com um curso fulminante. A etiologia não está clara, mas pode envolver um mecanismo autoimune. Biópsia mostra células gigantes multinucleadas características. Pacientes com miocardite de células gigantes apresentam choque cardiogênico e frequentemente arritmias ventriculares intratáveis ou bloqueio cardíaco completo. Miocardite de células gigantes tem prognóstico reservado, mas é importante descartá-la no contexto de um paciente de outro modo saudável que apresenta insuficiência cardíaca fulminante ou arritmias intratáveis, porque a terapia imunossupressora pode ajudar a melhorar a sobrevida.


Sinais e sintomas da miocardite


A apresentação clínica da miocardite é variável. Pacientes podem ser minimamente sintomáticos ou ter insuficiência cardíaca fulminante e arritmias fatais. Sintomas dependem da etiologia da miocardite, bem como da extensão e gravidade da inflamação miocárdica. Alguns sintomas de insuficiência cardíaca são fadiga, dispneia e edema. Pacientes podem apresentar sinais de sobrecarga hídrica com estertores, pulsos venosos jugulares elevados e edema. Exame cardíaco pode mostrar uma terceira bulha cardíaca (B3) ou quarta (B4). Sopros sistólicos da regurgitação mitral e regurgitação tricúspide podem estar presentes em pacientes com aumento ventricular.

Morte súbita cardíaca devido a uma arritmia fatal é, às vezes, a apresentação característica. Pacientes podem apresentar palpitação precedentes ou síncope.

Quando os pacientes apresentam inflamação pericárdica concomitante, podem ter dor torácica típica da pericardite. Dor precordial ou subesternal, vaga ou lancinante, pode irradiar-se para pescoço, linha do trapézio (especialmente à esquerda) ou ombros. A dor varia de leve a grave. Ao contrário da dor torácica isquêmica, a dor decorrente da pericardite é, geralmente, agravada por movimentação torácica, tosse, respiração ou ao engolir a comida, podendo ser aliviada ao sentar-se e inclinar-se para frente. Pode-se auscultar atrito pericárdico em pacientes com derrame pericárdico.

Certos achados clínicos podem ser indicativos de uma causa específica da miocardite. Miocardite infecciosa pode ser precedida por sintomas de febre, mialgias e outros sintomas, dependendo do patógeno exato. Miocardite relacionada à hipersensibilidade ou fármacos pode ser acompanhada por exantema. Linfonodos aumentados podem ser indicativos de sarcoidose como etiologia de base. Insuficiência cardíaca e arritmias fulminantes podem ser indicativos da miocardite de células gigantes.

Miocardite pode ser aguda, subaguda ou crônica. Não existem períodos específicos de tempo para cada fase. A fase aguda tipicamente dura alguns dias, enquanto a fase subaguda dura semanas a meses. Se a miocardite não resolver após alguns meses, torna-se crônica. Em alguns casos, a miocardite pode levar à cardiomiopatia dilatada.

Causas da miocardite


  • ECG e enzimas cardíacas

  • Exames cardíacos de imagem

  • Às vezes, biópsia endomiocárdica

  • Testes para identificar a causa

Deve-se suspeitar de miocardite quando outros pacientes de outra forma saudáveis sem fatores de risco cardíaco apresentam sintomas de insuficiência cardíaca ou arritmias. ECG, enzimas cardíacas e exames cardíacos de imagem não são específicos para miocardite, mas podem ser diagnósticos no contexto clínico apropriado.

ECG pode ser normal ou anormal em pacientes com miocardite. Anormalidades do segmento ST são comuns e podem mimetizar isquemia miocárdica. Ocorre às vezes elevação do segmento ST, mas achados mais comuns incluem alterações inespecíficas do segmento ST e onda T. Pacientes podem apresentar atrasos de condução e arritmias atriais ou ventriculares, incluindo taquicardia sinusal, taquicardia ventricular e fibrilação ventricular.

Enzimas cardíacas podem estar anormais em pacientes com miocardite aguda. Tanto a troponina cardíaca como a CK-MB (isoenzima de banda muscular de creatinoquinase) podem estar aumentadas pela necrose dos miócitos cardíacos.

Imagens cardíacas podem estar anormais em pacientes com miocardite. Ecocardiograma pode ser normal na miocardite precoce ou leve. Pode-se ver anormalidades no movimento da parede segmentar (mimetizando isquemia miocárdica). Também pode-se ver dilatação do ventrículo esquerdo e disfunção sistólica como na cardiomiopatia dilatada. Parâmetros de relaxamento diastólico estão frequentemente anormais na ecocardiografia. RM cardíaca está se tornando cada vez mais importante no diagnóstico da miocardite. A RM cardíaca dos pacientes com miocardite pode mostrar um padrão característico de realce tardio por gadolínio nas paredes subepicárdica e média do miocárdio (em contraste com a isquemia, na qual o realce tardio por gadolínio geralmente é subendocárdico, com extensão às paredes miocárdica-média e epicárdica). Outras características diagnósticas da miocardite na RM cardíaca são presença de edema miocárdico e hiperemia miocárdica em relação ao músculo esquelético.

RM do paciente com miocardite e efusão pericárdica

O realce tardio da parede média (seta branca inferior) e epicárdica (seta branca superior) na RM é consistente com a miocardite. Esse paciente também apresenta efusão pericárdica (seta vermelha).

Biópsia endomiocárdica mostrando infiltrado inflamatório do miocárdio com necrose de miócitos adjacentes é o padrão ouro para o diagnóstico da miocardite. Entretanto, esse exame tem baixa sensibilidade para o diagnóstico da miocardite devido a erros de amostragem. Portanto, um resultado positivo da biópsia é diagnóstico de miocardite, mas um resultado negativo não a descarta. Além disso, biópsia acarreta risco de complicações, incluindo ruptura miocárdica e morte, assim não é feita rotineiramente. Deve-se fazer biópsia endomiocárdica nos casos de insuficiência cardíaca fulminante, arritmias ventriculares ou bloqueio cardíaco ou se os resultados afetarem o tratamento (p. ex., se houver suspeita de miocardite de células gigantes em que o tratamento imediato pode diminuir as taxas de mortalidade).

Diagnóstico da causa Após o diagnóstico da miocardite, efetuam-se exames para determinar a etiologia. Em um adulto jovem, previamente saudável, que apresenta sintomas de infecção viral e miocardite, normalmente é desnecessária avaliação extensa. A diferenciação entre miocardite viral e idiopática é difícil, dispendiosa e, geralmente, de pouca importância prática. Hemograma completo (HC) é útil para avaliar a eosinofilia periférica, presente na miocardite por hipersensibilidade.

Cateterismo cardíaco pode ser útil para descartar isquemia, uma vez que a miocardite pode mimetizar infarto do miocárdio ou isquemia miocárdica. Em outros casos, pode ser necessária biópsia do tecido miocárdico para estabelecer o diagnóstico. Colorações ácido-rápida do tecido miocárdico são essenciais se a tuberculose é uma possibilidade (miocardite por tuberculose pode ser agressiva e pode piorar rapidamente com corticoides). As amostras do miocárdio são examinadas em busca de células gigantes, típicas da miocardite de células gigantes e dos granulomas que ocorrem na sarcoidose.

Outros exames incluem reagentes de fase aguda, exames bioquímicos de rotina, culturas, testes autoimunes e, quando apropriado, exames para HIV, infecção por SARS-CoV-2, fixação de complemento para histoplasmose ou teste para a doença de Lyme (em áreas endêmicas) e testes de anticorpos contra coxsackievírus, vírus da influenza e estreptococos.

Tratamento da miocardite


  • Tratamento da insuficiência cardíaca e arritmias

  • Tratamento da doença subjacente

O tratamento da insuficiência cardíaca é feito com diuréticos e nitratos para alívio dos sintomas. Nos casos da insuficiência cardíaca fulminante, bomba de balão intra-aórtico (BBIA), dispositivo de assistência ventricular esquerda (DAVE) ou transplantação podem ser necessários. O tratamento farmacológico em longo prazo da insuficiência cardíaca é feito com inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), betabloqueadores, antagonistas da aldosterona, bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRAs) ou inibidor do receptor da angiotensina/neprilisina (IRAN). Tratam-se as arritmias atriais e ventriculares com terapia antiarrítmica. Pode-se tratar bloqueio cardíaco com estimulação temporária, mas pode exigir a inserção de marca-passo permanente se as anormalidades de condução persistirem.

Em geral, trata-se miocardite infecciosa com terapia de suporte para insuficiência cardíaca e arritmias associadas. A terapia antiviral não mostrou ser útil no tratamento da maioria das etiologias virais, mas nirmatrelvir e ritonavir podem ajudar a tratar a miocardite decorrente de infecção por SARS-CoV2 e oseltamivir pode ajudar a tratar a miocardite decorrente de influenza. Corticoides também podem ajudar a tratar a miocardite decorrente de infecção por SARS-CoV2. Pode-se tratar as etiologias bacterianas com antibióticos, mas isso não se mostrou eficaz, exceto possivelmente na fase infecciosa aguda. Deve-se tratar doença parasítica com fármacos antiparasitários apropriados.

Trata-se miocardite por hipersensibilidade pela interrupção imediata do fármaco causador ou cardiotoxina e, para miocardite por hipersensibilidade, terapia com corticoides. Pacientes com miocardite de células gigantes tiveram melhor sobrevida quando tratados com imunossupressores, geralmente corticoides e ciclosporina. Pode-se tratar miocardite causada por sarcoidose com corticoides.

Pontos-chave


  • A apresentação clínica da miocardite é variável, abrangendo desde sintomas subclínicos até insuficiência cardíaca fulminante, arritmias intratáveis e morte súbita cardíaca.

  • O diagnóstico frequentemente baseia-se em achados clínicos e testes não invasivos, incluindo RM cardíaca; fazer biópsia endomiocárdica se os pacientes apresentarem insuficiência cardíaca fulminante ou arritmias intratáveis ou se os resultados mudarem o tratamento.

  • Tratar pacientes com insuficiência cardíaca e arritmias; adiciona-se imunossupressão para a sarcoidose ou miocardite relacionada a fármacos e miocardite de células gigantes.


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