A notícia das novas diretrizes de prática clínica sobre a vitamina D divulgadas pela Endocrine Society em junho desencadeou uma enxurrada de críticas por médicos. O documento destaca:
Em adultos saudáveis com menos de 75 anos, nenhuma suplementação é recomendada além da ingestão diária recomendada;
As seguintes populações podem se beneficiar de doses mais elevadas: crianças e adolescentes com até 18 anos, para prevenir o raquitismo e reduzir o risco de infecções respiratórias; idosos com 75 anos ou mais, para diminuir o risco de morte; gestantes, a fim de reduzir diversos riscos; e pacientes com pré-diabetes, visando diminuir o risco de progressão para diabetes;
A dosagem de rotina dos níveis de 25-hidroxivitamina D não é recomendada, pois não foram identificados benefícios relacionados a desfechos clínicos (inclusive o rastreamento em pessoas com pele escura ou obesidade);
Devido à insuficiência de evidências, o painel de especialistas responsáveis pela elaboração das diretrizes não conseguiu determinar pontos de corte específicos para os níveis plasmáticos de 25-hidroxivitamina D que sejam adequados ou que sirvam como meta para a prevenção de doenças.
Em resposta à notícia, publicada originalmente no Medscape em inglês, mais de 200 médicos e outros leitores expressaram preocupações sobre as diretrizes, e alguns disseram abertamente que não seguiriam as novas recomendações .
Dr. Joseph Destefano chegou ao ponto de chamar a diretriz de “perigosa” e “quase maligna”.
Ignorando potenciais benefícios
Embora as diretrizes sejam direcionadas para pessoas consideradas “saudáveis” (além das exceções mencionadas acima), os leitores estavam preocupados com o fato de as recomendações ignorarem os potenciais benefícios da suplementação de vitamina D em outras doenças relevantes do ponto de vista clínico.
“As diretrizes abordam questões que praticamente só dizem respeito à endocrinologia e à saúde óssea”, escreveu o Dr. Emilio Gonzalez. “No entanto, a insuficiência e a deficiência de vitamina D não são raras e têm impacto no tratamento de doenças autoimunitárias, no controle da dor crônica, na imunossupressão, na prevenção do câncer, na saúde cardiovascular etc. Existem muitos estudos a esse respeito."
“O documento faz essas afirmações como se não existissem estudos de qualidade contradizendo essas diretrizes”, disse o Dr. Brian Batcheldor. “E os casos de inúmeros pacientes com doenças que afetam a absorção intestinal, como a doença de Crohn, doença celíaca, fibrose cística e retocolite ulcerativa? E quanto a um em cada nove [pacientes] com doenças autoimunitárias ainda sem diagnóstico? E os trabalhadores noturnos ou qualquer pessoa com acesso mais restrito à exposição solar? E as pessoas cujo código de vestimenta cultural ou religioso limita a exposição da pele?"
Esse último grupo também foi mencionado em um comentário feito pela Dra. Eve Finkelstein, que disse: “Eles não consideraram as mulheres que vivem com o corpo totalmente coberto por razões religiosas. Elas não têm nenhuma região da pele exposta, exceto parte do rosto. Não faz sentido não suplementar [a vitamina D] nesses casos. Ignorar as necessidades de saúde das mulheres parece ser a regra.”
“Penso que eles não consideraram os efeitos da deficiência de vitamina D sobre a saúde bucal”, apontou um comentário feito por Corie Lewis. "O excesso de cálculo dentário (tártaro) causado pelo aumento dos níveis de cálcio/fosfato na saliva eleva significativamente os riscos de doença periodontal (gengival), e o baixo teor de cálcio/fosfato na saliva aumenta os riscos de cáries dentárias, o que geralmente indica um desequilíbrio do microbioma oral. A vitamina D pode ajudar a criar um equilíbrio e reduzir os riscos à saúde bucal.”
Segundo Kimberley Morris-Windisch, "tendo trabalhado na área de reumatologia e dor durante a maior parte da minha carreira, tenho visto muitos pacientes se beneficiarem da correção da deficiência de vitamina D. Ignorar esse aspecto é perder oportunidades de melhorar a saúde dos pacientes". Além disso, “acho improvável que [a suplementação de vitamina D] só diminua a mortalidade após os 75 anos. Isso não faz sentido".
“Além disso”, acrescentou ela, “qual é o número [necessário] para causar dano? Nos meus 25 anos [de profissão], vi apenas um caso de toxicidade associada à vitamina D, além de um paciente com níveis excessivamente elevados, mas sem sintomas".
"POR QUÊ? Apenas POR QUÊ?", lamentou Anne Kinchen. “Níveis baixos [de vitamina D] em gestantes têm efeitos permanentes sobre o feto em desenvolvimento, como uma incidência mais elevada e precoce de osteopenia em crianças do sexo feminino e sistemas imunitários mais fracos. Existem muitos motivos para dosar [essa vitamina]. Essas diretrizes que recomendam não dosar são absurdas!"
Sem rastreamento, sem necessidade de tomada de decisão?
Várias pessoas questionaram a justificativa da Endocrine Society para não fazer o rastreamento, expressas pelo Dr. Clifford J. Rosen, médico, diretor de pesquisa clínica e translacional e cientista sênior ligado ao Maine Medical Center Research Institute, nos EUA:
“Quando os médicos solicitam a dosagem da vitamina D, eles são forçados a tomar uma decisão sobre o que fazer com os resultados. É aí que surgem as dúvidas sobre os níveis [ideais], o que é um grande problema. Portanto, o que as diretrizes estão dizendo é: não faça o rastreamento. Na verdade, a orientação vai direto ao ponto central desse problema, pois não temos dados de que o rastreamento leve à melhora da qualidade de vida [dos pacientes]. É provável que a realização de dosagens de rotina não valha a pena em nenhuma faixa etária".
Atendendo aos interesses da indústria?
Muitos comentários sugeriram que os interesses da indústria farmacêutica e/ou das operadoras de planos de saúde teriam alguma influência nas recomendações. Alguns comentários expunham o seguinte:
“Tenho a impressão de que os pacientes solicitam a realização de exames de rotina para verificar se não existem problemas ocultos. Se pedirmos apenas alguns exames, a probabilidade de não encontrar uma alteração é enorme. A saúde preventiva deveria procurar algo para prevenir em vez de esperar até que haja algo a ser curado. Claro, pode ser que essa questão toda seja sobre dinheiro. É muito mais lucrativo diagnosticar e tratar do que prevenir." (Grace Kyser)
"A atual 'recomendação' irracional dá às operadoras uma desculpa para negar TODOS os exames relacionados à vitamina D ─ mesmo que o médico forneça um código [de diagnóstico] correto. O resultado é que os pacientes sofrem. Essa recomendação é danosa!” (Dr. J. J. Gold)
"Essencialmente, eles estão dizendo que não devemos rastrear indivíduos 'saudáveis' e ignorá-los. Melhor esperar até que fiquem idosos, gestantes ou já estejam enfermos e sejam diagnosticados com alguma doença. Esse é o problema da saúde nos EUA." (Brittney Lesher)
"Até que a medicina alopática pare de esperar pelo surgimento de sinais e sintomas graves antes de pelo menos fazer o rastreamento de possíveis problemas de saúde, o sistema de saúde (também conhecido como "sistema de doentes") mais caro do mundo continuará a se contentar em focar em emergências médicas e ignorar a prevenção." (Dean Raffelock)
“Não dosar? Vocês estão de brincadeira? Especialmente quando os pacientes estão em suplementação [de vitamina D]? Isso é o mesmo que tomar um anti-hipertensivo sem medir a pressão arterial! Não dosar? Não suplementar? Só existe uma explicação para esse absurdo: a indústria farmacêutica vive de pessoas doentes, e não de pessoas saudáveis." (Georg Schlomka)
Em um comentário um tanto quanto conciliatório e incisivo, a Dra. Francesca Luna-Rudin escreveu: "Gostaria de lembrar a todos os meus colegas médicos que as recomendações devem ser consideradas apenas isso, uma 'recomendação'. Como médicos, podemos usar diretrizes e recomendações na nossa prática clínica, mas se nos depararmos com uma nova orientação que não faça sentido ou que possa causar danos com base na nossa formação e treinamento, não somos obrigados a segui-la!"
Este conteúdo foi traduzido do Medscape