A psilocibina está associada a um melhor desfecho global no tratamento do transtorno depressivo maior moderado a grave em comparação com o escitalopram, um inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS), segundo os resultados da primeira comparação de longo prazo entre as duas intervenções.
"Este é o primeiro trabalho a comparar os efeitos de longo prazo dessas duas substâncias no contexto do bem-estar geral, e não apenas da ausência de depressão", afirmou em um comunicado à imprensa Tommaso Barba, doutorando e coautor do estudo ligado ao Imperial College London, na Inglaterra. "A psilocibina superou o escitalopram em diversas medidas de bem-estar, sentido de vida, trabalho e funcionamento social."
Os achados — provenientes de uma fase de extensão com duração de seis meses derivada de um estudo de fase 2 controlado, randomizado e duplo-cego — foram apresentados em 22 de setembro no 37º Congresso do European College of Neuropsychopharmacology (ECNP) e publicados simultaneamente na plataforma eClinicalMedicine, ligada ao periódico The Lancet.
Lidando com incompatibilidades no tratamento
Os resultados são importantes por evidenciarem uma incompatibilidade entre o que os psiquiatras e os pacientes consideram importante, disse Tommaso.
"Os psiquiatras focam bastante nos sintomas negativos da depressão. Sendo assim, se o paciente não estiver mais triste, ou se o sono ou o apetite não estiverem prejudicados, eles acreditam que o paciente teve uma melhora. Porém, se observarmos o que os pacientes definem como importante, eles dirão coisas como o grau em que sua vida é significativa, em que se conectam com as pessoas ao redor e em que eles funcionam na vida cotidiana", disse Tommaso.
"O estudo sugere que a psilocibina pode representar uma opção terapêutica mais holística para a depressão", acrescentou o Dr. David Erritzoe, Ph.D., médico, coautor do estudo e diretor clínico e vice-presidente do Centre for Psychedelic Research do Imperial College London.
"Isso pode fazer uma diferença significativa na felicidade geral e nas atividades diárias dos pacientes que sofrem de depressão, proporcionando uma abordagem mais integrada ao tratamento psiquiátrico."
O estudo unicêntrico inicial avaliou 59 pacientes adultos com transtorno depressivo maior (idade média de 41 anos) que foram randomizados para receber psilocibina ou escitalopram durante um período de seis semanas.
O grupo da psilocibina (n = 30) recebeu duas doses orais contendo 25 mg de psilocibina, enquanto o grupo do escitalopram (n = 29) fez uso de 10 a 20 mg de escitalopram diariamente além de duas doses de 1 mg de psilocibina (dose subterapêutica). Ambos os grupos receberam apoio psicológico.
Com base na mudança nos escores de depressão no Inventário Rápido de Sintomatologia Depressiva com 16 itens (IRSD-16) aplicado após seis semanas, os resultados iniciais do estudo sugeriram uma não inferioridade entre os dois tratamentos em termos de sintomas depressivos (desfecho primário). Entretanto, foi constatada uma superioridade da psilocibina nos desfechos secundários, como "bem-estar, anedonia, funcionamento social, função sexual e variáveis relacionadas, com menos efeitos colaterais em comparação com o escitalopram", apontaram os pesquisadores.
Durante os seis meses da fase de extensão, nos quais os participantes responderam questionários mensais, sem tratamentos experimentais adicionais ou restrições relacionadas a outros tratamentos psiquiátricos, os cientistas utilizaram o Inventário Rápido de Sintomatologia Depressiva associado a outras ferramentas, como a Escala de Ajustamento Social e Trabalho, o Questionário de Sentido de Vida, a Escala de Florescimento e a Escala de Conectividade de Watts.
Os dois grupos mantiveram resultados semelhantes no Inventário Rápido de Sintomatologia Depressiva, com um discreto aumento na redução dos sintomas depressivos no grupo da psilocibina no primeiro mês (taxa de descoberta falsa [FDR] = 0,021), sem efeitos positivos após esse período.
Após três e seis meses, foram vistas melhoras mais intensas nos escores na Escala de Ajustamento Social e Trabalho no grupo da psilocibina (FDR < 0,001 e FDR = 0,01, respectivamente), além de uma melhora mais pronunciada no sentido de vida em todos os pontos temporais avaliados (FDE < 0,001).
Houve também uma melhora mais significativa no grupo da psilocibina na Escala de Conectividade de Watts após três e seis meses (FDR = 0,02 e FDR = 0,04), além de melhoras semelhantes na Escala de Florescimento em ambos os grupos em todos os pontos temporais analisados.
Intervenções posteriores podem ter confundido os resultados, sendo que 30,7% dos participantes do grupo da psilocibina e 43,5% dos participantes do grupo do escitalopram receberam alguma intervenção adicional durante o período.
Os pesquisadores concluíram que, embora um tratamento curto com ISRS associado ao suporte terapêutico intensivo (cerca de 20 horas) "possa ser suficiente para induzir efeitos antidepressivos sustentados", os pacientes tratados com psilocibina apresentaram uma melhora mais intensa no funcionamento geral, na conectividade e no sentido de vida.
O estudo inicial mostrou que eventos adversos, especialmente aqueles relacionados à função sexual, favoreceram a psilocibina, embora esse aspecto não tenha sido reavaliado na fase de extensão, afirmou Tommaso.
"Os dois tratamentos pareciam seguir direções opostas, estando a psilocibina associada a uma aparentemente melhora [da função sexual] e o antidepressivo à inibição. Outros efeitos colaterais associados à psilocibina foram menos diversos — principalmente cefaleias no final do dia. Por outro lado, o escitalopram foi associado a efeitos colaterais muito mais variados e mais prejudiciais", ele acrescentou.
Embora muitos terapeutas talvez não estejam familiarizados com a psicoterapia assistida por psilocibina, "essa não é uma habilidade difícil de dominar. Pode ser necessária alguma especialização, mas acredito que, se você for um bom psicoterapeuta, é possível aprender a implementar o uso da psilocibina", disse ele.
"Normalmente, a jornada [terapêutica] é bastante voltada para o interior [do indivíduo], sendo assim, os pacientes não precisam de suporte ativo durante a experiência psicodélica [com uma duração de cerca de seis horas]. Às vezes, eles precisam de alguém cujas mãos possam segurar, de ajuda para ‘liberar’ sentimentos ruins ou de exercícios respiratórios. A parte mais importante é o trabalho de integração que vem após [o uso do psicodélico]", acrescentou Tommaso.
O pesquisador prevê um programa terapêutico que envolva "psiquiatras trabalhando em conjunto com psicoterapeutas. Os psicoterapeutas ficariam mais responsáveis pela orientação ativa, ao passo que o psiquiatra faria a prescrição [do psicodélico]; o acompanhamento psicológico seria realizado via videoconferência".
No entanto, ele fez um alerta aos terapeutas: "A psilocibina exige o confronto ativo de emoções dolorosas e negativas, e as pessoas que ingerem esse composto precisam estar abertas e preparadas para a ideia de que elas estão entrando em um estado no qual provavelmente acabarão chorando e confrontando seja o que for do que estejam fugindo durante a vida. Talvez nem todo mundo queira fazer isso".
Um novo paradigma de tratamento?
Comentando sobre a pesquisa para o Medscape, o médico Dr. Johan Lundberg, Ph.D., professor adjunto de psiquiatria vinculado ao Departamento de Neurociência Clínica do Karolinska Institutet, na Suécia, disse que o estudo aborda uma questão importante sobre os efeitos de longo prazo associado a uma ou duas doses de psilocibina.
"Esse foi um [estudo baseado no] acompanhamento de uma intervenção terapêutica curta durante seis meses; portanto, nesse sentido, é [uma pesquisa] de grande interesse. Existem hipóteses de que a psilocibina tenha um efeito de longo prazo, mas esse é o primeiro estudo que acompanhou o uso da substância durante um período mais extenso."
No entanto, o Dr. Johan também destacou que uma das limitações do estudo foi a diversidade de tratamentos administrados após a intervenção inicial.
"Os pesquisadores não tinham controle sobre se os pacientes receberam outros tratamentos ou quando esses tratamentos começaram. Portanto, essa é uma preocupação fundamental. Porém, eles o relataram de forma transparente, e sabemos que houve uma diferença na capacidade relatada de realizar atividades cotidianas, o que é importante."
Ele acrescentou que, se for aprovada em algum momento, provavelmente a psilocibina virá acompanhada de um pacote educacional para os médicos, "o que já ocorre em outros tratamentos, como a eletroconvulsoterapia ou a estimulação magnética transcraniana. É preciso aprender como administrá-los".
O Dr. James Rucker, Ph.D., psiquiatra e professor clínico sênior ligado ao King's College London, na Inglaterra, que não participou da pesquisa, também apontou que os pesquisadores tiveram uma tendência de atribuir as diferenças observadas no estudo a diferenças comparativas observadas nos próprios medicamentos.
Porém, ele ressaltou que também é possível que os resultados reflitam relatos enviesados de um e outro grupo, o que é ainda mais provável nesse caso porque estudos envolvendo a psilocibina tendem a atrair indivíduos com opiniões prévias positivas sobre a substância e preconceitos negativos sobre antidepressivos convencionais, e porque os participantes do estudo não foram cegados durante a fase de extensão de longo prazo, então eles sabiam em qual grupo haviam sido alocados.
"Dito isso, a natureza da depressão varia enormemente entre os indivíduos, o que exige o desenvolvimento de um conjunto similarmente variado de paradigmas de tratamento. A terapia com psilocibina com certeza representa um paradigma terapêutico diferente do escitalopram. A observação de níveis de eficácia semelhantes aos dos antidepressivos é interessante de ser considerada de forma paralela aos estudos muito maiores com psilocibina atualmente em andamento aqui no Reino Unido, na Europa e nos Estados Unidos", acrescentou o Dr. James.
O estudo foi apoiado pelo Alexander Mosley Charitable Trust e pelos sócios fundadores do Centre for Psychedelic Research do Imperial College London.
O pesquisador Tommaso Barba informou já ter recebido remunerações por consultoria da empresa Adamo Bioscience.
Tanto o Dr. Johan Lundberg quanto o Dr. James Rucker estão envolvidos em pesquisas com a psilocibina, mas ambos informaram não ter conflitos de interesses.
Este conteúdo foi traduzido do Medscape